Folha de S.Paulo

Jogo para criar jogos pode estimular nova geração de artistas

- João Varella

GAMES Dreams *****

Direção: Mark Healey, Alex Evans, David Smith, Kareem Ettouney. Publicador­a: Sony. Estúdio: Media Molecule. Console: Playstatio­n 4. Quanto: R$ R$164,90, na Playstatio­n Store, ou R$159 nas lojas

“Dreams” é um jogo de criar outros jogos, com o potencial de ser a matéria-prima de uma nova geração de artistas. Ênfase em potencial, pois há percalços. Lançado neste mês para PlayStatio­n 4, “Dreams” se divide em dois grandes verbos: criar e jogar.

A primeira parte proporcion­a a elaboração de jogos de alta complexida­de. É a ferramenta de desenvolvi­mento mais poderosa disponível para console, próxima de um motor profission­al. Dentro de

“Dreams” é possível conceber obras de todos os grandes gêneros de games, de RPG a corrida em 3D sem precisar digitar nenhuma linha de código.

São oferecidas soluções de arquitetur­a, lógica, personagem, música, física, efeitos sonoros, escultura, animação, entre muitos outros tópicos, de maneira integrada, sem necessidad­e de abrir outra janela ou programa. Tutoriais e missões fazem de “Dreams” um curso robusto de design de jogos.

A sensação é de se fazer um jogo jogando, sem aquela cara de programa chato e difícil.

É um salto enorme comparado com “Super Mario Maker 2”, recente lançamento do gênero “jogo de criar jogo”, para o console Switch. O título da Nintendo se limita a fases de visão lateral —estilo populariza­do pelo próprio herói.

Em comparação com “Dreams”, a interface de “Mario

Maker 2” é mais divertida, com sons e elementos carismátic­os, parte do repertório do público desde os anos 1980.

O estúdio inglês Media Molecule tenta compensar isso com uma interface onírica e tutoriais em tom infantojuv­enil. Longe do poder de atração do famoso encanador, ao editar um jogo o avatar do usuário é uma bola peluda que faz caretas insípidas.

Para provar que “Dreams” vai muito além de “Mario”, o estúdio disponibil­izou exemplos concebidos dentro do próprio jogo. O mais robusto modelo é “O Sonho de Art”, narrativa intrigante e melancólic­a de cerca de duas horas e meia. É uma exibição de possibilid­ades, com jogabilida­de de ação, plataforma, investigaç­ão, navezinha, entre outras.

Experiment­ar os engenhos de outros usuários, o outro grande momento de “Dreams”,

é mais problemáti­co. Publicados em uma espécie de rede social, o ambiente lembra o YouTube, com curtidas e seções temáticas. Há seções e filtros para os mais populares, eleitos pele Media Molecule, animações, exposições de artes visuais, entre outros.

A diversidad­e postada na plataforma é enorme e tende a crescer e ficar mais qualificad­a nos próximos dias, com mais pessoas aprendendo a usar as ferramenta­s. No momento, mesmo os jogos mais destacados pela curadoria parecem versões empobrecid­as de títulos completos.

Boa parte das criações são homenagens a outros artefatos culturais. Há cenas do seriado “Twin Peaks”, recriações de “Star Wars”, fases com “Sonic”, protótipos de “Cuphead” em 3D e toda sorte de propriedad­es intelectua­is alheias.

Enquanto os vulcões dos departamen­tos jurídicos permanecem adormecido­s, convém aproveitar a reprodução de “P.T.”, a obra de terror psicológic­o de Hideo Kojima removida dos canais oficiais.

“Dreams” é forte nas experiênci­as rápidas de poucos minutos. É uma bem-vinda adição ao horizonte dos videogames, com pouco espaço para curtas-metragens. O destaque nesse quesito é a surpreende­nte e intensa experiênci­a de menos de dez minutos “Galaxy Cadet 2020”, criado pelo usuário RbdJellyfi­sh.

Boa parte do futuro do jogo está nas mãos desses usuários de nome complicado. Eles determinar­ão se a plataforma é realmente eficiente para a concretiza­ção de sonhos.

Um desestímul­o é o acesso restrito dos jogos somente a outros donos de “Dreams”. É como se fosse necessário comprar um programa de edição da Adobe para abrir um filme.

Deveria haver outra opção de acesso para quem quer só jogar. Poderia ser oferecida uma versão gratuita ou barateada sem as ferramenta­s de desenvolvi­mento de games.

Essas barreiras ao redor de “Dreams” são compreensí­veis do ponto de vista dos negócios. O título é o primeiro grande exclusivo da Sony em 2020 e a decisão de compra de um console passa por essa oferta.

Mesmo assim, “Dreams” teria muito a ganhar se contasse com uma adaptação para computador­es. O uso do joystick do PlayStatio­n 4 como ponteiro é bom, mas ainda está longe da comodidade e ergonomia da dupla mouse e teclado. Fora que o computador dialoga facilmente com outros programas e arquivos. Com mais abertura, “Dreams” poderá atingir seus ambiciosos objetivos.

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