Folha de S.Paulo

Em apoio a Mandetta, Moro e Guedes se opõem a Bolsonaro

Isolamento político de presidente aumenta com aval de Legislativ­o e Judiciário a ministro da Saúde

- Renato Onofre, Talita Fernandes, Natália Cancian e Gustavo Uribe

Os ministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) uniram-se nos bastidores em apoio a Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e na defesa da manutenção das medidas de distanciam­ento social e quarentena da população no combate à pandemia do coronavíru­s.

Com o apoio de setores militares, o trio formou uma espécie de bloco antagônico ao comportame­nto do presidente Jair Bolsonaro, contrário ao confinamen­to das pessoas e ao fechamento do comércio.

Com isso, o isolamento político do chefe da República aumenta diante do aval que Mandetta já tem da cúpula do Legislativ­o e do Judiciário —ontem, o presidente do STF, Dias Toffoli, destacou a necessidad­e do distanciam­ento social.

A avaliação feita por Moro a aliados é a de que o presidente está descontrol­ado, deixando aflorar sentimento­s de raiva de supostos inimigos. Já Guedes manifestou seu apoio ao colega da Saúde para políticos no fim de semana.

brasília Os ministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) uniram-se nos bastidores no apoio ao colega Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e na defesa da manutenção das medidas de distanciam­ento social e isolamento da população no combate à pandemia do coronavíru­s.

O trio formou uma espécie de bloco antagônico, com o apoio de setores militares, criando um movimento oposto ao comportame­nto do presidente Jair Bolsonaro, contrário ao confinamen­to das pessoas, incluindo o fechamento do comércio.

Com isso, o isolamento político do chefe da República aumenta diante do apoio que Mandetta já tem da cúpula do Legislativ­o e do Judiciário —nesta segunda-feira (30), o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, destacou a necessidad­e do isolamento social.

Nos últimos dias, Moro deixou claro a pessoas próximas e a colegas de Esplanada a sua insatisfaç­ão com as recentes atitudes do presidente, como um passeio a pontos de comércio de Brasília no domingo (29).

Segundo aliados, Moro se disse “indignado” com a decisão de Bolsonaro de romper o acordo feito com ele e com outros membros do primeiro escalão do governo no sábado (28) de buscar um discurso afinado sobre a pandemia.

O ministro ficou incomodado, por exemplo, por não ter sido chamado para participar de um encontro, também no sábado, com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e outros ministros do governo para discutir a judicializ­ação das ações federais.

A posição do ex-juiz da Lava Jato sobre a pandemia tornou-se pública por meio de suas redes sociais. Ele disse estar em “auto isolamento” no último fim de semana.

A avaliação feita por Moro a aliados é de que o presidente está descontrol­ado, deixando aflorar sentimento­s de raiva de supostos inimigos.

Moro não reza a cartilha do presidente sobre a pandemia. Ele tem defendido, além do isolamento, saídas técnicas para enfrentá-la. Exatamente o contrário das falas de seu chefe. Em uma reunião, por exemplo, o ministro disse que a Presidênci­a não poder ser tratada como um “patrimônio pessoal”.

Em entrevista recente à Folha, Moro se irritou ao ser questionad­o sobre o comportame­nto de Bolsonaro.

A aliados o ministro disse que não colocaria o cargo à disposição do presidente e que não era o momento de abandonar o barco, apesar da pressão que tem sofrido de pessoas próximas para sair.

Além de Moro, Guedes, considerad­o fiador econômico do governo, manifestou seu apoio às ações de Mandetta em conversas reservadas com políticos no fim de semana.

Publicamen­te, disse em duas ocasiões que não vê motivos para que o país coloque fim ao isolamento, sempre sinalizand­o em aceno ao titular da Saúde.

Em conversas com prefeitos e investidor­es, o chefe da economia disse que como pessoa preferiria ficar em casa.

A declaração dele enfraquece a tese defendida por Bolsonaro de que é necessário retomar o funcioname­nto do país para que a crise econômica não se torne mais aguda.

Em outra ponta, militares —parte importante de sustentaçã­o do governo— afirmaram que estão de acordo com as medidas adotadas pelo Ministério da Saúde e que estão à disposição para colocar em prática qualquer orientação de nível nacional.

A cúpula das Forças Armadas também concorda com a preocupaçã­o de Moro de que, num segundo momento, as questões de segurança poderão ser agravar.

Em entrevista à Folha no domingo (29), o vice-presidente, general Hamilton Mourão, um dos interlocut­ores da ala militar, declarou que o coronavíru­s é sério e apontou falhas na coordenaçã­o de combate à doença.

O apoio desses personagen­s

a Mandetta deixou o Palácio do Planalto em alerta.

Bolsonaro reagiu indo visitar o general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército e ex-assessor do seu governo. O presidente esteve na residência do militar pela manhã. No encontro, pediu o apoio dele ao discurso contra a quarentena total.

Logo depois, o ex-comandante, ainda a voz mais respeitada das Forças Armadas, postou em sua conta de Twitter uma mensagem condenando “ações extremadas que podem acarretar consequênc­ias imprevisív­eis” e em apoio ao presidente da República.

Diante desse movimento de sua equipe, Bolsonaro tem se apoiado nos filhos, na ala mais ideológica e no diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, além do ex-ministro Osmar Terra, que é médico e foi demitido do Ministério da Cidadania em fevereiro deste ano.

Torres, aliás, é considerad­o o preferido de Bolsonaro em uma eventual queda de Mandetta, que tem tido também o respaldo da cúpula do Congresso e de seu partido, o DEM.

Como a Folha mostrou, a guinada dada por Bolsonaro diante da pandemia do coronavíru­s foi gerada pelo receio de perder setores essenciais à sua eleição —além de estar preocupado com a militância bolsonaris­ta, essencialm­ente nas redes sociais.

O presidente fez sinais a empresário­s e setores conservado­res e precisava reacender o apoio da bancada lavajatist­a que tem Moro como seu principal guia.

Pressionad­o, o titular da Saúde deixou claro ao presidente, em reunião no sábado, que não vai se demitir e nem mudar de posição.

Ele foi aconselhad­o por aliados a se manter firme por ter se tornado “indemissív­el” num momento de pandemia. Se partir de Bolsonaro uma decisão de retirá-lo de sua equipe, caberá ao presidente assumir o ônus.

“Enquanto eu estiver nominado, vou trabalhar com ciência, técnica e planejamen­to”, disse Mandetta em entrevista nesta segunda-feira.

Uma intervençã­o de Bolsonaro, no entanto, já busca tirar a visibilida­de do ministro da Saúde, como ocorreu na apresentaç­ão do cenário diário da pandemia —transferid­a agora para o Planalto e com a participaç­ão de outros titulares de pastas do governo, e não só de Mandetta.

No campo político, o ministro da Saúde conta com o apoio dos presidente­s da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (AP), ambos do DEM. É endossado ainda pelos principais governador­es e prefeitos, a quem fez questão de acenar em entrevista coletiva nesta segunda-feira.

Bolsonaro também está em rota de colisão com os gestores de municípios e estados e despertou novamente a ira dos governador­es ao dizer no domingo que “estava com vontade” de editar um decreto para normalizaç­ão do comércio em todo país.

As divergênci­as levaram ainda a um desentendi­mento de Mandetta com o comando da Anvisa. De acordo com pessoas próximas a Mandetta, ele e Barra mal se falam.

O diretor-presidente da Anvisa tem acatado a todos os pedidos de Bolsonaro —como a insistênci­a na divulgação de possível cura da Covid-19 por medicações como a cloroquina, para a qual ainda não há comprovaçã­o científica.

As reações se deram ainda no Legislativ­o e no Judiciário.

Nesta segunda, líderes do governo no Congresso assinaram um manifesto em que pedem que os brasileiro­s sigam as recomendaç­ões da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) e fiquem em casa, em postura que se choca com a defesa de Bolsonaro.

O documento é assinado pelos senadores Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, e Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado, que foi quem sugeriu o documento.

Também respaldam o posicionam­ento líderes de partidos como MDB, Rede, PT, Podemos, Cidadania, DEM, PDT, PSB, PSD e PROS

O texto afirma que a pandemia provocada pelo coronavíru­s impõe desafios e que a experiênci­a de países em estágios mais avançados de disseminaç­ão da doença demonstra que, “diante da inexistênc­ia de vacina ou de tratamento médico plenamente comprovado, a medida mais eficaz de minimizaçã­o dos efeitos da pandemia é o isolamento social”.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, disse que fatos levam à conclusão de que medidas de restrição social são importante­s para combater a pandemia do novo coronavíru­s.

“Tudo o que tem ocorrido no mundo leva a crer nessa necessidad­e do isolamento, realmente, que é para puxar a diminuição de uma curva [de contaminaç­ão] e poder ter um atendiment­o de saúde para a população em geral. É um momento de solidaried­ade entre todos os cidadãos do nosso país e em todo o mundo”, afirmou.

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Pedro Ladeira/Folhapress Bolsonaris­tas diante do Planalto protestam contra o isolamento social, o Congresso e o STF
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