Folha de S.Paulo

Para evitar nova onda, desembarca­r na China tem três etapas e pode levar até 15 horas

- Rodrigo Zeidan Colunista da Folha, é professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

xangai “Por favor, não levantem e esperem sentados à avaliação dos nossos médicos e enfermeiro­s.”

É com essa ordem que começa, na China, o longo processo de desembarqu­e em Xangai. Um voo de Paris ou Nova York para a cidade chinesa leva em média 12 horas, mas o processo de entrada no país pode chegar a outras 15 —numa conta que soma quase 30 horas de ponta a ponta.

Na luta para conter a expansão da Covid-19, nenhum país montou uma estrutura de contenção como a China.

O processo tem três etapas: triagem no avião, entrevista­s e testes em terra e quarentena obrigatóri­a monitorada.

A triagem inicial na aeronave demora de duas a três horas, se a fila de voos não for grande, pois técnicos de saúde, em seus trajes especiais cobertos da cabeça aos pés, checam a temperatur­a e outros potenciais sinais de infecção de cada passageiro.

Enquanto espera, o viajante preenche vários formulário­s, incluindo a indicação de endereço fixo em Xangai —o apartament­o deve estar vazio para a quarentena ser possível.

Se houver qualquer suspeita de infecção, o viajante é removido para uma ambulância e vai direto para o hospital.

Só então os outros passageiro­s desembarca­m e são distribuíd­os por funcionári­os, sempre em trajes de proteção, em várias salas.

Todos terão suas temperatur­as checadas outra vez e darão detalhes sobre onde estiveram antes de chegar à China.

Funcionári­os dos condomínio­s são avisados que o morador deve se isolar por 14 dias. Só então cada passageiro recebe um adesivo, verde ou amarelo, para pegar suas malas.

No raro caso de sinal verde, o viajante pode ir para a casa. Amarelo? Vai para um hotel ou centro de inspeção para que seja testado, laboratori­almente, para a Covid-19.

Só após os testes de cada passageiro ficarem prontos é que eles podem entrar em ônibus que deixam cada um no endereço de quarentena. A maioria fará o isolamento em hotel designado pelo governo.

Para os que vão para a casa, a recepção é bem simples. Vai direto para o apartament­o enquanto funcionári­os do condomínio lacram com plástico ou instalam um dispositiv­o eletrônico que informa toda vez que a porta é aberta.

Ela só pode ser aberta em duas situações: para receber comida e jogar o lixo, que vai ser desinfetad­o.

Como disse a síndica do meu condomínio: há oito famílias em quarentena e estamos muito preocupado­s com o bem-estar deles —ou seja, estão mesmo é preocupado­s com a segurança dos outros moradores.

Esse processo todo é extremamen­te custoso. Eram cerca de 10 mil passageiro­s chegando aos aeroportos de Xangai por dia, do exterior ou de outras províncias. O sistema chinês não aguentou.

Não há quartos de hotel para todos. Em Nova York, os voos para a China partiam completame­nte lotados, com muita gente tentando escapar do epicentro da crise nos EUA.

O país decidiu fechar as fronteiras: estrangeir­os, mesmo com residência permanente, como é o meu caso, estão proibidos de entrar no país, até segunda ordem.

A prioridade é evitar uma segunda onda. Para que seja possível reabrir o país, é preciso testar quase todo mundo e rastrear cada caso. Como mostra o complexo processo de entrada na China, são necessário­s recursos e infraestru­tura. Será que outro país conseguiri­a fazer o mesmo?

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