O que Bolsonaro não diz
brasília Desde o início da emergência provocada pelo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro não disse uma palavra para confortar os que têm medo da doença e da fome, a quem teme perder tudo o que construiu e aos que adoeceram. Também não disse às pessoas sobre como colaborar com familiares, colegas de trabalho, empregado ou patrão.
O presidente disse, sim, muitas coisas sobre o que acha da doença e como considera importante que o trabalho seja mantido, pois as pessoas dependem do que ganham.
O que se espera de um líder não é dizer o óbvio, mas mostrar que somos capazes de superar a adversidade e nos refazer. E que todo o esforço será empregado nisso. É dizer que a comida chegará à casa de quem passa fome, seja pelo esforço do Estado, seja pela solidariedade dos vizinhos, porque agora é preciso aumentar a dose de compaixão.
O que Bolsonaro não diz é também o cálculo político que parece fazer da crise. Ao apontar os riscos de emprego e recessão —outra constatação óbvia—, sugere preparar o terreno para o discurso que entoará após a tempestade, o clássico “eu avisei”.
Dessa maneira, já estão lendo os políticos Brasil afora, Bolsonaro tentará se livrar da culpa da crise econômica instalada. Com o perdão aos otimistas, mas é bem provável a recessão e o elevado desemprego.
Se o isolamento social que o presidente critica for bem-sucedido, Bolsonaro reforçará a imagem da gripezinha e pode ganhar pontos na retórica política, sonhando com a reeleição. Se der errado, será uma tragédia em que todos, não apenas ele, serão engolidos. Então, soa uma conta simples: ele parece apostar na opção em que vê chances de ganhar.
A crueza da lógica política, mesmo quando não parece haver sensatez, é algo antigo nos corredores do poder. Nosso trabalho diário, como jornalistas, é trazê-la à luz do dia. Mas, quando há tantas vidas em jogo, mostrar o que Bolsonaro não diz tornou-se uma questão humanitária.