Para Defesa, golpe de 64 foi ‘marco para a democracia’ no país
Nota sobre os 56 anos do início da ditadura vem em momento de inquietação devido à crise do coronavírus
SÃO PAULO Em ordem do dia alusiva ao aniversário do golpe que instaurou a ditadura militar há 56 anos, o Ministério da Defesa afirma que “o movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira”.
“Mais pelo que ele evitou”, completa o ministro da pasta, general da reserva Fernando Azevedo, que assina a ordem com os comandantes do Exército, da Marinha e da Força Aérea Brasileira.
O tom de defesa da ditadura é mais incisivo do que em documento análogo sobre o 31 de março divulgado no ano passado, o primeiro do gênero no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), um capitão reformado do Exército conhecido pela apologia que faz do regime dos generais.
Como em 2019, o texto afirma que 1964 pertence à história e que o momento dos militares agora é outro. “As Forças Armadas acompanharam as mudanças” e “estão submetidas ao regramento democrático com o propósito de manter a paz e a estabilidade”.
O texto busca contextualizar a visão majoritária entre os militares acerca do golpe e, previsivelmente, não ressalta o caráter autoritário do regime, a falta de liberdades civis ou a tortura.
“O entendimento de fatos históricos apenas faz sentido quando apreciados no contexto em que se encontram inseridos”, afirma o texto, citando a Guerra Fria, na qual o mundo era disputado pela dicotomia entre a liderança dos EUA e a da União Soviética.
“As instituições se moveram para sustentar a democracia, diante de pressões de grupos que lutavam pelo poder. As instabilidade recrudesciam e se disseminavam sem controle”, diz o texto, sem citar nominalmente as disputas do governo João Goulart, que adernava à esquerda e gerava temores de infiltração comunista em diversos setores.
“A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram”, continua a ordem do dia, afirmando que as Forças Armadas assumiram a responsabilidade “com todos os desgastes previsíveis”.
A anistia de 1979 é novamente citada como marco da “pacificação” do país, enquanto países que buscaram vias “utópicas”, ou seja, o socialismo, “ainda lutam para recuperar a liberdade”.
“Hoje os brasileiros vivem em pleno exercício da liberdade e podem continuar a fazer suas escolhas”, diz o texto.
A nota vem em momento de grande ansiedade nos meios militares com a evolução da crise política do governo Bolsonaro, cujo isolamento foi ampliado pela sua condução beligerante da emergência sanitária do novo coronavírus.
Após o polêmico protesto que pedia o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal no dia 15 de março, que teve o incentivo e a participação do presidente, começaram a circular chamamentos anônimos na internet para um novo ato nesta terça.
A associação contrariou a cúpula militar da ativa, que não quer ser interposta no que considera uma disputa política entre o presidente da República e governadores.
As Forças Armadas avaliam que podem serem chamadas para restaurar a ordem se houver degradação da estabilidade social devido à pandemia —como saques ou manifestações descontroladas.
O presidente, por sua vez, já sugeriu que pode haver baderna devido à crise econômica decorrente da pandemia e se recusou, em entrevista, a dizer se daria um golpe de Estado. “Quem quer dar o golpe jamais vai falar que vai dar”, afirmou ao apresentador José Luiz Datena na sexta (27).
A questão do golpe de 1964 é extremamente contenciosa para os militares. Desde a redemocratização de 1985, os fardados acabaram eclipsados da vida política.
As gerações de militares formadas sob a ditadura aos poucos foram dando espaço àquelas que ascenderam após a redemocratização de 1985. A visão corrente no oficialato, porém, é que os sucessivos governos de opositores ao regime de 1964 geraram uma distorção histórica.
Para eles, a esquerda dominou a narrativa e o risco de uma radicalização comunista sob Goulart acabou sendo extirpada da versão oficial.