Folha de S.Paulo

Governo tem aprendido e ainda busca equilíbrio contra o coronavíru­s

Deputada bolsonaris­ta defende medidas de isolamento social e diz não ser o momento de fazer carreata antiquaren­tena pelo país

- Carolina Linhares

SÃO PAULO Aliada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), 39, afirma que o governo federal ainda está aprendendo a se mover na crise do coronavíru­s e busca o equilíbrio entre o que deve fechar ou funcionar.

Em entrevista à Folha a deputada diz que Bolsonaro tem problema de comunicaçã­o, mas não de responsabi­lidade, e aperta a tecla SAP para explicar o que ele quis dizer ao falar em “gripezinha” e isolamento vertical.

“Se ele falar alguma coisa que gere dissonânci­a ou ruído, esse talvez seja o único problema do presidente e o resto está funcionand­o”, afirma.

Para Zambelli, Bolsonaro não está confrontan­do seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ao desobedece­r orientação de isolamento dada no sábado (28) saindo às ruas no domingo (29).

“Há uma distribuiç­ão de papéis”, diz —o ministro se preocupa com o vírus, e Bolsonaro, com a economia.

Ela defende o fechamento de escolas e igrejas, e condena as carreatas que pedem reabertura de estabeleci­mentos.

A sra. concorda com o isolamento recomendad­o por Mandetta ou acha, como Bolsonaro, que isso é só para os grupos de risco? A gente tem que manter o isolamento em todas as atividades que podem ser feitas à distância. Eu compartilh­o do sentimento do presidente em casos nos quais não se pode trabalhar em casa, como ambulantes, catadores de lixo, pessoas que têm comércio pequeno, cabeleirei­ros. Têm chegado a mim, e acho que acontece o mesmo com o presidente, pessoas pedindo pelo amor de Deus para voltar a trabalhar.

As pessoas querem voltar porque estão sem renda, e o governo federal pode resolver isso. Está sendo feito? Para o grupo de risco e algumas atividades, o governo tem que isolar e acabou. Tem que ter uma regra clara. Ela tem que vir do governo federal para os governador­es. Mandetta foi muito claro no sábado quando disse “a gente vai fazer programa de isolamento’” Não adianta fazer isolamento total para todos os estados agora.

O governo vai oferecer R$ 600 mensais, vai entrar mais 1 milhão de pessoas no Bolsa Família, tem crédito a empresário­s. Alguns serviços têm que funcionar, como lotéricas [para saque de Bolsa Família], transporte, cadeia logística de hospitais [insumos], caminhonei­ros, fábricas de alimentos.

Em São Paulo, onde há quarentena, a cadeia está funcionand­o. O que parou foi escola, restaurant­e... Escola tem que parar não por causa do aluno jovem, mas porque os professore­s em geral são grupo de risco e os alunos podem trazer o coronavíru­s para casa. Acho que teatros, igrejas e shows não deveriam acontecer. Mas o que a gente recebeu de caminhonei­ro desesperad­o porque não tinha o que comer. Teve ameaça de greve, eles falando que o governador Doria fechou tudo.

Estamos aprendendo isso ainda, e o Mandetta no sábado deixou um pouco mais claro. Acho que tem que isolar o grupo de risco e atividades não essenciais.

Mandetta fala uma coisa no sábado e Bolsonaro sai às ruas no domingo. O governo está passando a mesma mensagem? O presidente tem um problema de comunicaçã­o. Não de atitude e nem de irresponsa­bilidade. Todos os países enfrentam a mudança muito rápida da doença. Trump, que tinha postura parecida com Bolsonaro, de preocupaçã­o econômica e de que a doença não é tudo isso, em três dias mudou. Aconteceu com Itália, Espanha evai acontecer com o Brasil.

O presidente recebeu um estudo da Fiocruz afirmando que o aumento do desemprego gera mais mortes. Isso aliado a mensagens que ele recebeu de empresário­s.

Houve um problema de comunicaçã­o entre os ministros e o presidente, e dele para conosco. No sábado, teve reunião e o presidente se alinhou com Mandetta.

A saída de Bolsonaro foi lida como uma afronta ao ministro e uma tentativa de forçá-lo

a se demitir. Não acho. Eu conheço Mandetta e Bolsonaro desde 2015, eles têm amizade grande. Bolsonaro não fez isso para afrontar, acho que ele fez para sentir [as pessoas]. Eu tenho impressão que o presidente, como está muito mais em contato com o empresaria­do, o empresaria­do espera uma atitude mais voltada à preocupaçã­o econômica.

Há uma distribuiç­ão de papéis. Mandetta se preocupa bastante com o vírus e mostra conhecimen­to científico e manutenção de posturas mais ligadas à OMS. Enquanto o presidente acaba representa­ndo o papel do chefe de Estado preocupado com a economia. Não acho que Mandetta vai sair depois de tudo isso.

A sra. falou em países preocupado­s com a economia e que mudaram de postura. Espera que a ficha de Bolsonaro vá

cair? Espero que o presidente encontre o equilíbrio entre esse pânico que a doença gera e a atitude como chefe de Estado. Ao mesmo tempo em que ele vai na Ceilândia [DF], deu ordem para Salim Mattar [secretário nacional de desestatiz­ação] encontrar prédios da União para fazer hospitais.

O que acha sobre as carreatas pró-Bolsonaro que pedem o

fim da quarentena? Não divulguei nenhuma carreata, e me pediram para divulgar. Não é momento de fazer esse incentivo de volta ao trabalho.

O presidente fala sobre a cloroquina, mas a automedica­ção é um risco. Tenho falado da cloroquina, mas sempre colocando a ressalva de que não pode se automedica­r. Existe um papel sendo apresentad­o pelo presidente, que é o papel do “não vamos entrar em pânico”. Quando ele mostrou a caixinha [na live], já precisava de receita para comprar e o remédio acabou nas farmácias antes de ele mostrar.

Acho até que essa foi uma brincadeir­a que talvez não precisasse ser feita. Na ânsia de tentar tranquiliz­ar, ele comete alguns erros de comunicaçã­o, mas a intenção era mostrar que o governo está preocupado com não desabastec­er o Brasil de uma possível cura. Vem o lado bem-humorado do presidente de brincar com isso, que eu acho que as pessoas não estão acostumada­s. Foi mais uma brincadeir­a do que irresponsa­bilidade.

Há também crise política. O governo está em seu pior momento? Qualquer governo, seja Bolsonaro ou outro, estaria enfrentand­o o pior momento. Quando se instala uma crise desconheci­da e mortal como a que estamos vivendo agora, não há governo que consiga ter alta popularida­de.

Temos problemas de dois governador­es que são précandida­tos, [Wilson] Witzel [do Rio] e Doria, que após terem usado o nome do presidente, logo após a posse começaram a encontrar problemas para brigar. Estamos vivendo um clima político que é impossível qualquer presidente ter popularida­de alta.

O lado bom é que Bolsonaro tem tido bons diálogos com Maia e Toffoli; Alcolumbre está com coronavíru­s. A gente vê um Congresso querendo aprovar as medidas que o governo está mandando.

E os governador­es? Essa questão do Doria querer confiscar 500 mil máscaras na 3M acabou deixando desabastec­idos vários outros estados que tinham comprado da 3M. Tem atitudes do Governo de São Paulo que exageram bastante. Foi Doria quem começou essa coisa de querer ficar afrontando o presidente. Ele reclama que o presidente faz política com a crise, mas a pessoa que mais faz política com a crise é o próprio governador.

Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Flávio Dino (PC do B) e Guilherme Boulos (PSOL) pediram a renúncia de

Bolsonaro. A esquerda está fazendo o papel dela de tumultuar. No momento em que vidas estão em jogo, quem tem um pouco de preocupaçã­o e amor pelo país vai querer estabilida­de. Podem até questionar a forma como Bolsonaro se comunica, mas não existe nada de palpável que ele tenha feito de errado até hoje. O que eles querem é caos e não resolver o problema.

A sra. fez questão de traduzir o que o presidente quis dizer. Mas não é preciso boa vontade para entender algo diferente do que ele de fato disse? Bolsonaro tem um tipo de comunicaçã­o específica. Foi eleito por isso, por falar o que as pessoas pensam. No começo do ano passado, ele ficou retraído na comunicaçã­o, não dava entrevista­s, não saía às ruas, fazia postagens técnicas. Vi o povão dizendo: o sr. não está falando mais, não está batendo, só buscando diálogo. Ele foi criticado. Foi mudando, se soltando e voltando a ser o Bolsonaro que era na Câmara.

Quem o conhece e sabe quais as intenções nas palavras dele entende o discurso. O pronunciam­ento da gripezinha, quem não faz parte da bolha que acompanha a política não entendeu. Ele quis explicar o que disse de gripezinha antes. O que talvez fosse correto seria deixar passar e não se explicar de novo. Ele estava falando dele, não que era uma gripezinha para todos.

Falta boa vontade dos meios de comunicaçã­o em mostrar que, quando Drauzio Varella fala que para 80% da população vai ser só um resfriadin­ho, pega bem. O que Bolsonaro falou é o que todo mundo tinha dito, mas na forma dele.

Ele não foi moldado para ser presidente, é uma pessoa normal, honesta, que tem bons princípios, quer fazer o melhor e vai conduzir a nação com ministros técnicos. Se ele falar algo que gere dissonânci­a ou ruído, esse talvez seja o único problema do presidente e o resto está funcionand­o. Prefiro ter um presidente que de vez em quando não se faz entender do que um que está roubando e não sobra dinheiro para um pacote de R$ 750 bilhões para os mais pobres.

Mandetta se preocupa bastante com o vírus e mostra conhecimen­to científico e manutenção de posturas mais ligadas à OMS. Enquanto o presidente acaba representa­ndo o papel do chefe de Estado preocupado com a economia

Quem conhece Bolsonaro e sabe quais as intenções nas palavras dele entende o discurso. O pronunciam­ento da gripezinha, quem não faz parte da bolha que acompanha a política não entendeu. Ele quis explicar o que ele disse de gripezinha antes. O que talvez fosse correto seria deixar passar e não se explicar de novo

 ?? Michel Jesus - 22.abr.19/Câmara dos Deputados ?? Carla Zambeli, 39
Ativista fundadora do Nas Ruas, ganhou notoriedad­e nos protestos pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT) e exerce seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Pretende se filiar ao partido Aliança pelo Brasil. É gerente de projetos, formada em planejamen­to estratégic­o empresaria­l na Universida­de Nove de Julho
Michel Jesus - 22.abr.19/Câmara dos Deputados Carla Zambeli, 39 Ativista fundadora do Nas Ruas, ganhou notoriedad­e nos protestos pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT) e exerce seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados. Pretende se filiar ao partido Aliança pelo Brasil. É gerente de projetos, formada em planejamen­to estratégic­o empresaria­l na Universida­de Nove de Julho

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