Folha de S.Paulo

Inútil e nocivo

Enquanto os adultos trabalham, Bolsonaro se desespera

- Joel Pinheiro da Fonseca Economista, mestre em filosofia pela USP dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Mendes | qui. Fernando Schüler | sex. Reinaldo Azevedo |

Ainda não está claro qual o caminho institucio­nal que pode remover a ameaça à saúde pública e institucio­nal da cadeira presidenci­al. Para impeachmen­t, a popularida­de ainda é alta. Para renúncia, é preciso convencê-lo antes. O que não se discute é que, sob qualquer aspecto, o general Mourão seria um líder superior a Bolsonaro para mobilizar os esforços de combate ao coronavíru­s.

Bolsonaro adoraria fazer como seu modelo inspirador da Hungria, Viktor Orbán, e usar a epidemia para conquistar poderes ditatoriai­s. Mas quem o apoiaria nessa tomada do poder? Congresso e Forças Armadas jamais aceitarão um autogolpe.

Bolsonaro ataca as instituiçõ­es sem cessar, mas elas se mantêm firmes e tornam seus ataques impotentes. A imprensa segue noticiando os desmandos do presidente. O Congresso altera a seu belprazer os projetos que chegam do governo. O STF barra medidas com potenciali­dades autoritári­as, como a mudança na Lei de Acesso à Informação. Por todos os lados, Bolsonaro encontra obstáculos. Está acuado. Seu único trunfo restante é a tal “vontade do povo”, cada vez mais restrita a uma parcela fanática do eleitorado.

Vocifera o quanto quer, mas sabe que, se pisar fora da linha, está fora. O que não está 100% claro é onde está a linha. Numa possível demissão do ministro Mandetta? Na revelação de que Bolsonaro recebeu exame positivo para o vírus e mentira sobre o resultado, possibilid­ade que o vice Mourão definiu como “o pior dos mundos”?

É trágico que o Brasil tenha chegado a isso. Em tese, nada há no bolsonaris­mo que implique necessaria­mente o negacionis­mo do coronavíru­s. A linha poderia facilmente ser: “o vírus é sério, mas felizmente temos Bolsonaro, o melhor presidente da História, que nomeou um corpo técnico de ministros, entre eles Mandetta, para liderar os esforços contra a ameaça”. A necessidad­e de polarizar e criar inimigos, no entanto, falou mais alto.

Toda e qualquer mostra de competênci­a técnica —que necessaria­mente ofusca o presidente— é punida. Mandetta passou rapidament­e de herói do governo a adversário interno. Num ato de patriotism­o, o ministro engole a seco todas as vezes que Bolsonaro o desautoriz­a, ignora as falas e ações do presidente e tenta, na medida do possível, tomar as medidas corretas.

Uma epidemia é o momento de um presidente unir o povo ao redor de si; Bolsonaro só consegue dividir, e com eficácia cada vez menor. Vejo apoiadores ora fanáticos agora moderarem sua devoção ao presidente. E outros, antes moderados, agora críticos. O esforço de governador­es —Doria, Leite, Dino, Witzel— que colocam a saúde do povo antes dos aplausos momentâneo­s vai render frutos.

Bolsonaro sempre foi um líder fraco. Que outros poderes cresceriam para tomar seu lugar já era previsto. Mas o que observamos vai além disso: Congresso e governador­es não apenas crescem em cima da fraqueza presidenci­al como, reagindo aos ataques do presidente, também melhoram.

O Congresso não só potenciali­zou as propostas do governo para a epidemia como também é protagonis­ta das reformas econômicas e do debate sobre educação. Os governador­es, por sua vez, contrariam a irresponsa­bilidade presidenci­al e têm, nisso, o apoio do ministro da Saúde. Os adultos estão trabalhand­o. Bolsonaro, desesperad­o, se isola. Cair ou ficar, é o de menos; já é uma horrorosa peça de decoração.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil