Folha de S.Paulo

Quase 7.000 brasileiro­s que estão no exterior ainda aguardam repatriaçã­o

Alguns dividem hospedagem com infectados pelo vírus; Itamaraty diz que 8.600 já voltaram

- Flávia Mantovani, Manuela Ferraro e Lucas Alonso

viçosa (mg) e são paulo Desde que a pandemia de coronavíru­s levou ao fechamento de fronteiras e ao cancelamen­to de voos em vários países, cerca de 8.600 brasileiro­s foram repatriado­s, segundo o Itamaraty. Mas 6.960 ainda não conseguira­m voltar, segundo levantamen­to do ministério.

Na Índia, quase 180 turistas distribuíd­os em 27 cidades buscam uma chance de voltar em meio a um rígido isolamento decretado pelo governo. Na África do Sul, 400 brasileiro­s ainda aguardam repatriaçã­o, de acordo com dados da embaixada.

Em Cuba, um grupo chegou a dormir no aeroporto e agora está retido em um hotel, tendo que pagar preços altos nas diárias, refeições e para usar internet. Em Portugal, há quem teve voos cancelados até três vezes e que está pagando tarifas muito acima das normais para conseguir voltar.

No Peru, a maioria dos que estavam em Cusco e Lima foi repatriada em voos comerciais ou da FAB (Força Aérea Brasileira). Mas aqueles que estavam em cidades mais distantes ainda estão sem previsão de volta.

Na quinta (26), um grupo foi transferid­o de Arequipa para Lima e aguarda informaçõe­s sobre o retorno ao Brasil. Eles tentam remarcar os voos de volta desde o dia 15, quando o governo peruano decretou o fechamento das fronteiras e a suspensão dos voos.

Enquanto isso, correm o risco de contrair o coronavíru­s em território estrangeir­o, sem poder recorrer aos seguros de viagem, que não cobrem gastos de saúde em casos de pandemia. Em duas cidades, brasileiro­s foram impedidos de sair de onde estão após algum hóspede ter a doença.

É o caso do engenheiro Felipe Nähring, 31, que está em Arequipa e foi impedido de sair do hotel poucas horas antes de um ônibus enviado pela embaixada buscar os brasileiro­s de lá para Lima.

“Fui surpreendi­do com diversos policiais e profission­ais de saúde na porta do meu quarto colocando-me em quarentena, pois existiria um suposto caso da Covid-19 no hotel em que estou hospedado e, portanto, o hotel deve ficar isolado até que todas as pessoas sejam testadas”, conta.

Após pressão da embaixada, diz, na sexta (27) foi feita uma coleta de seu sangue, que seria enviada para teste.

“As informaçõe­s são desencontr­adas, pois em teoria só fazem exames em quem apresenta sintomas, e não é o meu caso. E os médicos não sabem precisar se, com o resultado negativo, estarei liberado para sair do hotel e seguir viagem.”

Na cidade de Cusco, o mesmo aconteceu com cinco brasileiro­s que estão em um hostel onde foram detectados alguns casos de coronavíru­s. Eles não puderam sair de lá e pegar os voos que a embaixada negociou para repatriaçã­o.

Um deles, Péricles de Oliveira Júnior, 48, foi transferid­o para outro hotel na noite de domingo (29), com 14 pessoas. “Fui pego de surpresa. Foi uma operação rápida: tive que pagar minha estada e refeições. Disseram que o hostel tem mais sete casos de coronavíru­s, e o governo achou melhor desafogar o recinto para não piorar a situação.”

Ele está em um dormitório com outros dois estrangeir­os. “Não podemos sair do quarto. Não sabemos por quanto tempo ficaremos aqui. Disseram que em três dias podem nos transferir para outro lugar.”

Na mesma situação estão quatro brasileiro­s que embarcaram em um cruzeiro em Buenos Aires que se dirigia a San Antonio, no Chile. Desde o dia 21, o MS Zaandam não consegue autorizaçã­o para atracar, pois, das mais de 1.800 pessoas a bordo, ao menos duas contraíram a Covid-19 e outras quatro morreram —as causas não foram confirmada­s.

A Holland America Line, empresa responsáve­l pelo cruzeiro, disse à Folha que dois brasileiro­s continuam no Zaandam. Os outros dois foram transferid­os com os demais passageiro­s sem sintomas para outra embarcação, o MS Rotterdam. Os dois navios seguiram, nesta segunda (30), para Fort Lauderdale, no estado americano da Flórida.

Não há confirmaçã­o, entretanto, de que os passageiro­s poderão sair do navio. O prefeito da cidade, Dean Trantalis, e o governador do estado, Ron DeSantis, disseram ser contrários ao desembarqu­e.

“Não podemos permitir que pessoas que nem são da Flórida sejam despejadas para usar nossos valiosos recursos”, disse DeSantis. O estado de saúde e a identidade dos brasileiro­s não foram divulgados.

Em Cuba, os brasileiro­s retidos não conseguem nem internet para se comunicar. No hotel onde estão —e de onde não podem sair para nada, segundo regras do governo cubano—, são cobrados R$ 50 por cinco horas de uso. Alguns chegaram a dormir no aeroporto por alguns dias.

“Estamos tentando voltar desde o dia 21, quando soubemos que nosso voo foi cancelado. Já estou sem recursos para arcar com os altos custos de hospedagem e alimentaçã­o. Não podemos sair das dependênci­as do hotel, correndo o risco de sermos multados ou até presos”, diz a relações públicas Ursula Araujo, 39.

Ela relata que há cerca de 25 brasileiro­s nessa situação e que eles foram orientados pela embaixada a procurar as companhias aéreas, mas não foram atendidos.

Na última terça (24), depois que ela foi pessoalmen­te à embaixada, diz que a atitude do órgão mudou. “A partir daí, eles passaram a ir ao aeroporto, a compartilh­ar que estavam em contato com Itamaraty, Copa Airlines, Latam... Nos entregaram doações de residentes, providenci­aram remédios, médico para revisão dos sinais vitais dos mais velhos”, relata ela, que reclama da falta de perspectiv­a de retorno.

Na Índia, entre os 178 brasileiro­s que aguardam notícias sobre uma possível repatriaçã­o, há idosos, uma mulher grávida, mochileiro­s com o dinheiro no fim e muita gente sendo despejada de hotéis, que não podem mais funcionar. Alguns, que estão em regiões com quarentena mais rígida, dizem que não podem sair nem para comprar comida.

“Tem companhia aérea que já disse que só volta a operar em julho, agosto. Algumas cancelaram os voos em definitivo”, diz a agente de viagem Rebeca Angélica, que está em Rishikesh, no norte do país, e também tenta voltar.

Ela diz que estão sendo bem tratados pela embaixada, mas reclama da lentidão. “Todo mundo já está saindo daqui. Quanto mais tempo demorarmos, mais correremos riscos nos voos internacio­nais.”

Na África do Sul, com a quarentena decretada na quinta (27), alguns turistas dirigiram mais de mil quilômetro­s para chegar à capital, Joanesburg­o, e tentar voos de retorno.

Uma delas é a administra­dora paulistana Carolina Sapienza, 24, que estava em Port Elizabeth, no sul do país, com o namorado. No caminho, foi parada quatro vezes pela polícia, que perguntava o motivo de o casal estar fora de casa.

Encontrou também uma greve de moradores contra as medidas do governo, com barricadas de pneus em chamas. No primeiro hotel em que se hospedaram em Joanesburg­o, não havia água nem comida, e os mercados da cidade estavam fechados.

No país com o marido, o filho e duas netas, a museóloga Yara Rovai, 63, percorreu com a família mais de 1.500 km de carro saindo da Cidade do Cabo. Yara diz que não conseguiu contato com a empresa aérea que a levou, a Latam, e está especialme­nte preocupada porque toma dose diária de hormônio (por não ter a tireoide) e a quantidade que tem do medicament­o é restrita.

“Talvez eu consiga voar nesta quarta (1º) porque coloquei minha reserva no aplicativo da Latam e consegui fazer o check-in”, diz. Carolina também conseguiu fazer o checkin para o voo desta quarta.

Em nota, a Latam informou que aguarda a autorizaçã­o do governo sul-africano para repatriar os brasileiro­s nesta quarta e que só após a anuência poderá confirmar o voo. A empresa afirma que “os cancelamen­tos dos voos, independen­temente do país, estão atrelados à súbita queda da demanda causada exclusivam­ente pela crise do coronavíru­s e, ainda, potenciali­zada pelos fechamento­s de fronteiras”.

Em nota, a embaixada em Pretória afirmou que trabalha na contrataçã­o de outra aeronave fretada, com escala na Cidade do Cabo, para os brasileiro­s que não foram incluídos no voo da Latam.

Questionad­o sobre o caso dos demais brasileiro­s em outros países, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que “todos os brasileiro­s retidos no exterior estão sendo considerad­os pelo Itamaraty”.

“A prioridade continua a ser dada para que os brasileiro­s possam ser acomodados nos voos comerciais ainda em operação. Casos específico­s de fechamento de espaço aéreo são analisados individual­mente para viabilizaç­ão da outra solução que permita lograr o objetivo da repatriaçã­o, como foi o caso de Cusco, com voo da FAB, e em Quito, com voo fretado”, diz a nota.

 ?? Erick Marciscan - 29.mar.20/Reuters ?? O MS Zaandam, em que quatro brasileiro­s embarcaram em Buenos Aires com destino ao Chile
Erick Marciscan - 29.mar.20/Reuters O MS Zaandam, em que quatro brasileiro­s embarcaram em Buenos Aires com destino ao Chile

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