Folha de S.Paulo

Isolamento pode levar a recuperaçã­o econômica mais rápida, diz estudo

- Érica Fraga

são paulo A adoção de medidas restritiva­s e duradouras de isolamento social durante uma pandemia, como a causada pelo coronavíru­s, pode levar a uma recuperaçã­o econômica mais rápida e robusta após o seu fim.

A conclusão se baseia na experiênci­a dos EUA durante e após a chamada gripe espanhola, que se estendeu entre janeiro de 1918 e dezembro de 1920, causando, pelo menos, 50 milhões de mortes e infectando cerca de um terço da população mundial.

Segundo estudo novo, localidade­s americanas que reagiram mais prontament­e à pandemia de 1918 registrara­m retomada mais forte no ano seguinte. A pesquisa foi intitulada “Pandemics depress the economy, public health interventi­ons do not: evidence from the 1918 flu”.

Seus achados mostram que cidades que adotaram intervençõ­es não farmacêuti­cas (NPIs em inglês), como isolamento social, dez dias antes da pandemia registrara­m aumento adicional de 5% no emprego industrial, em 1919, em relação à média analisada.

A duração do confinamen­to também tende a fazer diferença. Segundo a pesquisa, a extensão das NPIs por 50 dias adicionais —em comparação à média— garantiu cresciment­o extra de 6,5% no emprego no setor manufature­iro depois da pandemia.

O estudo com esses resultados foi feito pelos economista­s Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner. Os dois primeiros são do Federal Reserve(Fed,obancocent­ral americano), e o terceiro é filiado à escola de negócios Sloan School of Management, do MIT (Massachuse­tts Institute of Techonolog­y).

Trata-se ainda de uma pesquisa preliminar, que, após sua divulgação inicial nesta semana, está sujeita a mudanças em cálculos e premissas, especialme­nte com base em comentário­s que serão recebidos de outros estudiosos.

Mas, se forem sólidos, esses resultados indicarão que ações mais drásticas de confinamen­to na atual pandemia da Covid-19 tendem a surtir efeito positivo em duas frentes cruciais para a sociedade.

Em primeiro lugar, Correia, Luck e Verner mostram que o confinamen­to contribui para taxas menores de fatalidade, conclusão parecida às de estudos anteriores que focaram nesse aspecto.

Eles revelam que, ao reduzir o impacto sobre a saúde pública, esse tipo de medida surte efeito na economia.

Segundo os autores, na gripe espanhola, há registro da adoção de políticas parecidas com as praticadas na crise atual, como fechamento de escolas, teatros e igrejas, banimento de encontros públicos e funerais, quarentena de pacientes suspeitos e horários comerciais reduzidos.

A intensidad­e das medidas variou entre cidades e estados americanos. Sua duração também. Foram essas diferenças que permitiram aos pesquisado­res construir modelo matemático que mensurou o impacto econômico.

Embora as ações de confinamen­to social pareçam mitigar o impacto negativo da doença sobre a atividade produtiva no médio prazo, isso não significa que elas impeçam queda da produção e do emprego no auge da crise.

Correia, Luck e Verner aferiram o efeito econômico mais imediato da gripe espanhola nos EUA e concluíram não só que ele existiu como também foi significat­ivo.

O aumento da mortalidad­e em 1918 com relação às taxas verificada­s em 1917 implicou queda de 23% no emprego industrial e de 18% na produção do setor manufature­iro.

“Nossas descoberta­s sugerem que as pandemias podem ter custos econômicos substancia­is e que as NPIs podem ter méritos econômicos, além de reduzir a mortalidad­e”, diz trecho do estudo. A questão a que ele não responde —por falta de dados— é por quais canais as NPIs amenizam os efeitos econômicos num segundo momento.

Defensores de medidas mais brandas de confinamen­to, como o presidente Jair Bolsonaro, argumentam que seu impacto econômico é muito drástico. Correia, Luck e Verner ressaltam que esse argumento tem seu mérito, pelo menos, na teoria.

“Medidas de distanciam­ento social reduzem gastos em compras que requeiram contato interpesso­al. Rendimento­s correntes e futuros caem em consequênc­ia de rupturas do lado da oferta”, diz o texto.

O estudo nota que a pandemia em si traz consequênc­ias econômicas severas. Ainda assim, os três pesquisado­res ressaltam que há diferenças importante­s de contexto histórico entre 1918 e 2020 que precisam ser considerad­as.

A economia hoje —como maior integração comercial e industrial— pode fazer com que as consequênc­ias das políticas adotadas contra a Covid-19 sejam diferentes. Além disso, o vírus tem se mostrado mais letal entre idosos, enquanto a gripe espanhola foi pior em faixas mais jovens.

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