Folha de S.Paulo

O Brasil pode pausar

Sacrifício econômico será tanto menor quanto mais rápido houver distanciam­ento social eficaz

- Cecilia Machado Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV | sex. Nelson Barbosa | sáb. Marcos Mendes, Rodrigo Zeidan

O estudo do Imperial College divulgado na semana passada colocou de forma bastante clara que as estratégia­s de mitigação (com distanciam­ento social) e isolamento total implicam menor número de mortes decorrente da Covid-19 no Brasil: entre 40 mil e 500 mil, comparado a 1 milhão se nada for feito.

Do ponto de vista epidemioló­gico, as estratégia­s de mitigação e isolamento horizontal são importante­s não só para evitar mortes como também para comprar tempo. Tempo para controlar a propagação do vírus enquanto o sistema de saúde se fortalece. Tempo para que os cientistas entendam melhor as mutações do vírus, sua dinâmica de propagação e sequelas que somente agora começam a aparecer.

Do ponto de vista econômico, o sacrifício em termos de emprego e renda é enorme. Não se pode negar que o distanciam­ento social e o isolamento horizontal impõe custos à população pobre, aos trabalhado­res informais e às firmas atuando nos setores de serviço, com efeitos de transborda­mento que são ultimament­e compartilh­ados por todos os setores da economia, em maior ou menor grau, incluindo o governo, através de menor base para a arrecadaçã­o de impostos e do aumento de gastos e transferên­cias.

Um trade-off que se coloca, de forma simples e imediata, confronta as mortes decorrente­s da Covid-19 e mortes ocasionada­s pela crise econômica nas diferentes estratégia­s. Entretanto, a ausência de ações de mitigação no início da epidemia levará a custos na renda e no emprego ainda maiores em poucos meses. As consequênc­ias adversas da doença são reais e inevitávei­s, mas é possível minimizá-las escolhendo quando e como agir.

O sacrifício econômico será tanto menor quanto mais rápido implementa­rmos um distanciam­ento social eficaz. A China e a Coreia do Sul mostraram que ações rápidas e energética­s permitem a retomada das atividades econômicas em pouco tempo, viabilizan­do a transição para estratégia­s de mitigação menos restritiva­s. Já o adiamento das estratégia­s de mitigação nos EUA e na Itália implicou parada ainda mais drástica e longa nas suas economias.

É certo que a crise econômica também transborda para o governo, já que ele, assim como as pessoas, depende da economia para sustentar seus gastos.

Os pacotes e as medidas econômicas anunciados pelo governo serão, por questões fiscais evidentes, limitados e temporário­s. O extenso arsenal apresentad­o pelo governo —renda mínima para os informais, ampliação do programa Bolsa Família, reforço ao orçamento da saúde, empréstimo­s e adiamento de impostos para micro e pequenas empresas, entre outros— não será suficiente se o distanciam­ento social não for eficaz.

A transição para o chamado isolamento vertical agora em consideraç­ão —que prioriza circulação de pessoas em setores estratégic­os— é evidenteme­nte necessária e desejável. Mas depende de dois outros importante­s componente­s: testagem e planejamen­to. A testagem é importante para o controle epidemioló­gico das transmissõ­es e o isolamento direcionad­o dos infectados. O foco deve ser a disponibil­idade frequente e em larga escala da testagem no Brasil.

Já o planejamen­to acerca de quais setores devem ser priorizado­s precisa levar em conta aspectos específico­s do país. Por exemplo, o distanciam­ento social nas favelas não é implementá­vel por muito tempo, e alternativ­as precisam ser pensadas nessa direção.

O tempo pode ser usado a nosso favor, tanto para salvar vidas quanto para minimizar o dano econômico. Tão importante quanto o distanciam­ento social efetivo que agora praticamos é o conjunto de ações estratégic­as que possibilit­arão a transição para um cenário mais permissivo de iterações sociais.

O Brasil pode pausar e usar este tão valioso tempo para se preparar para o dia depois de amanhã.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil