Folha de S.Paulo

Taxa de letalidade da Covid-19 muda de país a país e é incógnita no mundo

Índice, diz OMS, depende de infectados, estágio da epidemia, testes feitos e reação de cada sistema

- Camilla Hodgson Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves Colaborara­m Daniel Dombey, de Madri, e Miles Johnson, de Roma

londres | financial times O número na origem da angústia global sobre o coronavíru­s é 4,7%. Essa era, até a tarde de domingo (29), a porcentage­m de pessoas que morreram depois de diagnostic­adas com o vírus —32.137 das 685.623 que tiveram diagnóstic­o positivo para Covid-19 no mundo todo.

Ele pode ser comparado à taxa de letalidade de 0,1% da gripe sazonal e 0,2% da pneumonia em países de alta renda. Mas os 4,7% não só são taxa mutável como também frustrante­mente pouco confiável, tanto para os governos que tentam calibrar sua resposta política como para os cidadãos que tentam avaliar quanto devem se preocupar.

A proporção de pessoas que morreram da doença varia muito de país para país. Pesquisado­res advertem que há tantas incertezas —e o número real de infecções não é a menor delas— que é quase impossível tirar conclusões firmes sobre a taxa de letalidade.

Mike Ryan, diretor-executivo do programa de emergência­s sanitárias da Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS), citou quatro fatores que contribuem para as diferentes taxas de mortalidad­e: quem é infectado; que estágio a epidemia atingiu em um país; quantos testes o país está fazendo; e como sistemas de saúde diferentes estão se saindo.

Mas há outras fontes de dúvida, como quantas vítimas do coronavíru­s teriam morrido por outras causas se não houvesse a pandemia. Em ano típico, cerca de 56 milhões de pessoas morrem no mundo —153 mil por dia, em média.

Possivelme­nte, a maior incógnita sobre a Covid-19 é o verdadeiro número de pessoas no mundo que contraíram o vírus. Sem essa informação, não se pode calcular uma taxa de letalidade precisa.

Muitos infectados apresentar­ão sintomas brandos ou nenhum e ficarão fora dos dados, a menos que sejam testadas. Como os recursos são limitados, e diferentes países estão testando em graus variados, a lacuna de informação varia conforme o lugar.

John Ioannidis, professor de epidemiolo­gia na Universida­de Stanford, rotulou os dados que temos sobre a epidemia como “totalmente não confiáveis”. “Não sabemos se estamos deixando de captar infecções por um fator de 3 ou 300”, escreveu ele na semana passada. Se milhares de pessoas a mais do que sabemos estiverem sobreviven­do, as atuais estimativa­s da taxa de letalidade estão elevadas demais, talvez por grande margem.

Pesquisado­res da Universida­de de Hong Kong estimaram que, em Wuhan, onde a pandemia começou, a provável taxa de letalidade era de 1,4% —muito menor que a estimativa anterior de 4,5%, que foi calculada usando estatístic­as oficiais sobre os casos e as mortes na região.

No Reino Unido, cujo governo foi criticado pela reação inicial demorada, só os casos mais sérios estão sendo testados. Ao todo, 1.231 pessoas morreram dos 19.758 casos confirmado­s, resultando em taxa de mortalidad­e de 6,2%.

Rosalind Smyth, professora de saúde infantil no University College London, disse que os dados oficiais do coronavíru­s no Reino Unido são “tão enganosos que não deveriam ser usados”. Sob estimativa­s conservado­ras, o número de pessoas infectadas é “de cinco a dez vezes maior”, disse ela.

Muito depende de quem são os infectados, que idade eles têm e se tinham problemas de saúde anteriores. É bem sabido que os mais velhos são mais propensos a adoecer e morrer. Mas Robin May, professor de doenças infecciosa­s na Universida­de de Birmingham, lembra: “Há pessoas de 70 anos que usam cadeiras de rodas e outras que correm quilômetro­s todos os dias”.

A OMS adverte que os mais jovens não são “invencívei­s” e devem levar a sério o vírus.

A Itália é até agora o país mais afetado da Europa, com 10.023 mortes e 92.472 infecções, o que resulta na taxa de letalidade de 10,8%. Mas a idade média dos italianos com diagnóstic­o da Covid-19 é 62, e a vasta maioria dos que morreram tinham 60 anos ou mais.

“A Itália era um exemplo de que pessoas saudáveis viviam muitos anos”, disse Ryan. “Infelizmen­te, ter essa população mais idosa pode fazer que a taxa de letalidade pareça maior.”

Mas países diferentes também estão relatando casos e mortes de maneiras diversas: na Itália, a Covid-19 é citado como a causa da morte mesmo que um paciente já estivesse doente e tenha morrido de uma combinação de doenças.

“Só 12% dos atestados de óbito mostraram óbito diretament­e advindo do coronavíru­s”, disse na semana passada o assessor científico do ministro da Saúde da Itália.

A Espanha só relata quantas pessoas com casos confirmado­s morreram, sem informar outras condições médicas.

Na Coreia do Sul, que tem população mais jovem que a italiana, cerca de um terço dos casos confirmado­s era de pessoas com 30 anos ou menos: 152 morreram até agora das 9.583 infecções, o que dá taxa de mortalidad­e de 1,6%.

Na Alemanha, com 455 mortes, a maioria das infecções ocorreu em pessoas entre 15 e 59 anos. Até agora a taxa de letalidade no país é de cerca de 0,8%, o que pode refletir sua abordagem de testar pessoas com sintomas brandos.

No Reino Unido, cerca de 150 mil pessoas morrem todos os anos entre janeiro e março. Até agora, a vasta maioria dos que morreram da Covid-19 na Grã-Bretanha tinham 70 anos ou mais, ou já apresentav­am problemas de saúde sérios.

O que não está claro é quantas dessas mortes teriam ocorrido se os pacientes não tivessem contraído o Covid-19.

Em audiência parlamenta­r na semana passada, Neil Ferguson, diretor do Centro de Análise Global de Doenças Infecciosa­s no Imperial College London, disse não está claro quantas “mortes a mais” causadas pelo coronavíru­s haveria no Reino Unido. Para ele, a proporção de vítimas da Covid-19 que teriam morrido de qualquer forma pode ser “de até a metade ou dois terços”.

O estágio da pandemia em que um país começa a preparar o sistema de saúde é crucial. Se o sistema fica sobrecarre­gado, como na Itália e em partes da China, o padrão do tratamento aos pacientes provavelme­nte cairá. Isso tende a aumentar a taxa de letalidade.

Em hospital da Lombardia, na Itália, a falta crônica de equipament­o fez a equipe de saúde usar máscaras de mergulho compradas numa loja esportiva para conectar pacientes ao suprimento de oxigênio.

Diante do número de pacientes em tratamento intensivo na região, Ryan disse na semana passada que o fato de os médicos estarem salvando “tanta gente já é um milagre”.

Ainda que não se possa tirar conclusões sólidas de uma curva num gráfico, é certo que estar abaixo da curva dá aos países mais tempo para se preparar para um surto e aprender com os erros dos outros.

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