Folha de S.Paulo

Em Paraisópol­is, morador não tem comida nem lugar definido para morar

- Emilio Sant’Anna

são paulo Desemprega­do há um ano e meio, Hebert Douglas, 24, é um dos mais de 13 milhões de moradores de favelas no Brasil. Numa casa de dois cômodos, em Paraisópol­is, comunidade com cerca de 100 mil habitantes, ele e a mulher, também desemprega­da, Regina Santos Silva, 24, tentam arranjar o básico para dar o que comer para os filhos de 1 e 2 anos. Até esta segunda (30), o que tinham não passava de um pacote de arroz, dois de feijão, um litro de óleo e sal.

Hebert passou os últimos meses vendendo água nos semáforos da avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi, zona sul de São Paulo. Sem movimento na cidade, ele não tem a quem vender. Regina é diarista. Dispensada pela patroa, ela não tem mais renda alguma.

Mensalment­e, os dois levavam para casa cerca de R$ 900. Pela casa de dois cômodos, pagavam R$ 400 de aluguel, mas nesta segunda-feira (30) tiveram que deixar o imóvel a pedido do proprietár­io. Após o desepejo, conseguira­m provisoria­mente um novo endereço na favela, sem saber ainda como irão pagar.

Eu tinha até esta terça (31) para me mudar com minha família, mas infelizmen­te vou ter que sair hoje [segunda] mesmo por causa do prazo que o cara [proprietár­io] me deu, para evitar problema.

Tá faltando dinheiro ainda para o aluguel da casa nova [R$ 450]. Conversei com o dono, expliquei a situação. Contando as moedas, vai ficar faltando R$ 200. Falei para ele que dou isso em três dias depois de entrar na casa, agora, não sei como. Vou falar com o cara do mercado que tá me dando uma chance para ver se ele pode me ajudar. Se não puder, vou ficar três dias nessa casa nova. Saio dessa e depois saio da outra e tento arrumar mais outra... infelizmen­te.

Não tem como não se expor [ao risco de contrair o coronavíru­s], a gente precisava encontrar uma casa.

Domingo fui trabalhar de tarde, 13h30. Acordei cedo e fui procurar cesta básica, fazendo cadastro, mas não arrumei nada. Fui trabalhar, voltei à noite e deitei. Hoje entrei era 7h, não tenho horário fixo, não sei se vou ser contratado. Agora à tarde, estou correndo atrás da mudança, sem o dinheiro completo. Até chorei para o cara da casa. Cheguei do trabalho, não comi nada. Chorei, de chorar, de lágrima mesmo, tá ligado?

Expliquei para ele que se fosse mandar minha mulher lá para o Norte, nem a passagem eu compraria com esse dinheiro. Minha intenção é criar meus filhos, ficar junto com eles.

Foi de explicar a situação e se emocionar. O cara entendeu meu lado e falou que ele também precisa, pra eu entender o lado dele.

Falei lá no mercado se eu podia fazer uma ‘extra’, mas não tenho previsão. Vou tentar aí fazer qualquer coisa para seguir. Hoje tava fazendo um bico no mercado e o pessoal da Cufa Paraisópol­is foi lá e me deu uma cesta básica. Ela tá aqui, vou mandar uma foto pra tu.

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