Folha de S.Paulo

Há 40 anos, morreu Jesse Owens, que desafiou nazismo e racismo

- Cristiano Cipriano Pombo e Rodolfo Stipp Martino

são paulo Há 40 anos, o mundo e o esporte perdiam Jesse Owens. Então com 66 anos, James Cleveland Owens, seu nome de batismo, que desafiou o nazismo alemão e o racismo americano e se tornou o primeiro atleta a ganhar quatro ouros numa Olimpíada, foi vencido por uma infecção pulmonar e um câncer.

Filho de pobre agricultor negro, um dos mais novos entre dez irmãos, e neto de escravos, Owens nasceu no Alabama, em Danville (EUA), em 12 de setembro de 1913, e se mudou para Cleveland, no Ohio.

Da dura rotina nos campos de algodão Owens começou a construir a fama de homem mais veloz do mundo em Michigan, num torneio universitá­rio em 1935, quando, em 25 de maio, em 45 minutos, quebrou quatro recordes mundiais: 100 jardas (91,44 m), com 9s4, salto em distância, com 8,13 m (marca que só foi superada em 1960), 220 jardas com obstáculos, com 22s6, e revezament­o de 4x100 m.

Mas a fama mundial veio quando o americano se notabilizo­u por frustrar os planos de Adolf Hitler na Olimpíada de Berlim, em 1936.

Diante de 110 mil pessoas, Owens conquistou quatro medalhas de ouro, todas com recordes mundiais, nos 100 m, com 10s3, nos 200 m, com 20s7, no salto em distância, com 8,06 m, e no revezament­o 4x100 m, com 39s8.

À parte qualquer polêmica com Hitler, o qual Owens afirmou que correspond­eu ao aceno seu durante a comemoraçã­o de uma das provas que venceu, o mais destacado atleta daquela edição olímpica sobrepujou o nazismo e as teorias de superiorid­ade ariana, mas não conseguiu o reconhecim­ento do governo dos EUA.

Ele sempre evitou críticas à Alemanha, uma vez que foi lá, na Olimpíada, em que pôde dividir, pela primeira vez na carreira, quartos com atletas brancos e viu um estádio com maioria branca aplaudi-lo.

Uma mostra de que nos EUA o governo ainda mantinha atitudes racistas foi o fato que o presidente à época, Franklin Delano Roosevelt, não parabenizo­u Jesse Owens nem reconheceu publicamen­te seus feitos.

Owens foi tão brilhante que o último de seus recordes só foi batido em 1975 — antes, porém, vira e aplaudira, em 1972, Mark Spitz levar sete ouros na Olimpíada de Munique. “Estou orgulhoso de ter participad­o no processo histórico, mas só posso expressar minha admiração pelos atletas que surgem atualmente”, disse ele.

Logo ao voltar aos EUA, o corredor foi ovacionado em Nova York. Mas, depois, fez de tudo. Atuou com educação de crianças, integrou ações do Departamen­to de Estado e até, em 1968, foi chamado para mediar conflito entre atletas negros e o governo.

Mas não chegou a desfrutar de ganhos financeiro­s à altura de seus feitos. Tanto assim que, além de derrotar rivais de carne e osso nas pistas, Owen correu por apostas contra trens, motos e até animais (cavalos, na maioria das vezes), sempre para levantar algum dinheiro.

Ele até deu uma das medalhas olímpicas que conquistou em Berlim a um amigo, o ator de cinema Bill Bojangles Robinson, em agradecime­nto pela ajuda do colega em ter lhe conseguido um emprego na indústria cinematogr­áfica — em 2013, sob protestos do COI (Comitê Olímpico Internacio­nal), a medalha foi leiloada pela viúva de Robinson.

Oswaldo Domingues, brasileiro que correu os 100 m na Olimpíada de Berlim (mas foi eliminado sem enfrentar Owens), disse em entrevista para a Folha em 2006 que o americano era “simples e simpático”. “A corrida dele era fantástica, não contraía um músculo, era sólida, muito à frente dos outros rivais.”

E Owens sempre preferia a competição. Tanto que, antes de morrer, se pronunciou contra o boicote dos EUA aos Jogos de Moscou, em 1980: “Nós [os EUA] nos equivocamo­s ao boicotar os Jogos Olímpicos. Os atletas não podem ser castigados pelos erros políticos”.

 ?? AFP ?? Jesse Owens larga, em 5 de agosto de 1936, para vencer os 200 m na Olimpíada de Berlim
AFP Jesse Owens larga, em 5 de agosto de 1936, para vencer os 200 m na Olimpíada de Berlim

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