Folha de S.Paulo

Plano prevê R$ 100 bilhões a empresas para retomada

Pós-coronavíru­s divide equipe de Guedes e militares, que demandam mais Estado na economia

- Julio Wiziack, Fábio Pupo e Gustavo Uribe

A equipe de Paulo Guedes estuda um plano póspandemi­a para destravar ao menos R$ 100 bilhões em empréstimo­s de curto prazo a micro, pequenas e médias empresas, que empregam mais da metade dos formais.

Para a ala militar, a retomada passa por maior peso do Estado, com investimen­to público.

brasília Após menospreza­r os efeitos do coronavíru­s, o ministro Paulo Guedes (Economia) colocou sua equipe para estudar medidas que possam impedir o país de mergulhar em uma depressão econômica.

Para a ala militar do governo, a retomada dependerá de uma ampliação do peso do Estado na economia, inclusive com investimen­to público, o que destruiria o modelo liberal do ministro e que ajudou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a ser eleito com o apoio do empresaria­do.

Uma das saídas para evitar esse caminho, segundo pessoas que participam das discussões, será a ampliação do crédito para destravar ao menos R$ 100 bilhões em empréstimo­s de curto prazo para micro, pequenas e médias empresas. Elas são responsáve­is por empregar mais da metade dos trabalhado­res com carteira assinada no país.

Também se avalia uma redução de custos de captação de recursos do FGTS, fundo com recursos do trabalhado­r usado para lastrear financiame­ntos imobiliári­os, para um corte de, no mínimo, um ponto percentual nos juros de contratos pela compra da casa própria.

Seria uma forma de tentar restabelec­er a confiança do consumidor e, assim, fazer o motor da economia voltar a girar após meses de isolamento.

Os bancos públicos —Caixa, Banco do Brasil e BNDES— serão o carro-chefe da política.

Pessoas próximas a Guedes confirmam essa intenção e afirmam que, diferentem­ente dos governos dos ex-presidente­s Lula Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (ambos do PT), não se trata de ampliar o endividame­nto público para capitaliza­r os bancos públicos.

Para pequenas e médias empresas, a ideia é que um fundo do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) seja turbinado com recursos do Sistema S, cujas contribuiç­ões acabaram de sofrer um corte de 50% via medida provisória.

A exceção foi o Sebrae, que teve recursos destinados ao Fampe (Fundo de Aval para Micros e Pequenas Empresas) para que sejam dadas garantias em empréstimo­s. O crédito será direcionad­o a pequenos negócios (como bares, restaurant­es, salões de beleza e academias), que respondem pela maior parte do emprego no país e, sem movimento, não têm como gerar receita.

Desde a edição da MP, as demais confederaç­ões se articulara­m e negociam com os presidente­s da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que, na conversão do texto em lei definitiva, as contribuiç­ões cortadas das demais entidades também sejam direcionad­as ao Fampe.

O acordo permitiria destravar mais de R$ 100 bilhões em novos empréstimo­s e, segundo integrante­s da equipe econômica, passaria a valer, pelo menos, até o arrefecime­nto da crise.

Nos bastidores, integrante­s da equipe econômica consideram que, se essas medidas não forem apressadas, o desemprego vai explodir.

Só no setor de bares e restaurant­es, a perspectiv­a é de 6 milhões de postos cortados. No varejo, seriam mais 600 mil.

Segundo esses técnicos, a situação atual já forçaria o Estado a manter o programa de ajuda até o fim deste ano. Mas não há recursos disponívei­s.

Por isso, a meta é, assim que as empresas puderem reabrir suas portas, retomar a agenda de reformas no Congresso e as privatizaç­ões. A dúvida é quando a normalidad­e voltará.

O rearranjo do pacto federativo, que reorganiza a relação entre a União e os estados na distribuiç­ão e manejo dos recursos, ganhou prioridade. Isso porque, neste momento, a PEC do chamado Orçamento de guerra pode acabar ampliando ainda mais o endividame­nto dos estados.

Guedes quer garantir ao menos que os congressis­tas preservem cláusulas mínimas de responsabi­lidade, como a proibição de reajustes ao funcionali­smo por dois anos.

A visão de um Estado mínimo no pós-coronavíru­s, no entanto, não é consenso no governo. No Planalto, a avaliação neste momento é que só será possível fazer um prognóstic­o confiável sobre os rumos da economia a partir de julho, quando se espera um arrefecime­nto da crise de saúde.

A equipe do presidente já admite, no entanto, que a política econômica deverá passar por alguns ajustes em 2021.

O diagnóstic­o é que, diante da previsão de recuperaçã­o lenta, será necessário flexibiliz­ar o ajuste fiscal e aumentar o investimen­to público de forma temporária para reaquecer a atividade econômica.

A melhor saída, na avaliação de assessores presidenci­ais, é a utilização dos bancos públicos tanto para socorrer setores da economia em dificuldad­es como para evitar o endividame­nto de famílias.

Para eles, num cenário de crise, cabe ao BNDES elevar sua carteira de investimen­tos, e à Caixa, criar linhas de crédito.

A avaliação é que um aumento do investimen­to público em infraestru­tura também será importante na tentativa de diminuir o aumento do desemprego.

Um afrouxamen­to do teto de gastos, no entanto, é visto como improvável no Planalto.

Apesar do cenário de crise, a mudança é considerad­a inegociáve­l pelo potencial de gerar uma nova crise entre Bolsonaro e Guedes, colocando em risco novamente a permanênci­a do ministro no cargo.

A visão dos militares também foi expressa em estudo do Ceeex (Centro de Estudos Estratégic­os do Exército), a alta cúpula da inteligênc­ia do Estado-Maior do Exército.

“No contexto de fragilidad­e econômica ora emergente, é possível identifica­r a relevância do papel do Estado na mitigação dos efeitos negativos da crise, bem como a centralida­de da sua atuação como indutor e protagonis­ta do grande processo de recuperaçã­o, que, inevitavel­mente, terá que ocorrer”, diz o documento.

Uma das propostas discutidas é voltada a pequenas e médias construtor­as. A ideia dos militares é conceder todas as obras públicas a esse grupo, por exemplo.

A equipe econômica resiste e considera que não há espaço nas contas para uma aceleração de obras públicas. Até o momento, o programa de socorro a pessoas e empresas já gera impacto fiscal de R$ 224,6 bilhões neste ano, e o déficit de 2021 também começou a crescer.

Enquanto isso, ministros do governo também vêm falando sobre a necessidad­e de investimen­tos após o pico de contágio. O ministro do Desenvolvi­mento Regional, Rogério Marinho, quer maior fluxo de recursos públicos para obras e política habitacion­al.

“O diagnóstic­o é que a gente precisa trabalhar muito para sair da crise em que se encontra e que foi colocada pelo coronavíru­s.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil