Folha de S.Paulo

Mandetta admite erro em confronto com Bolsonaro

Ministro sente desgaste após entrevista, mas há indefiniçã­o do presidente sobre substituto e o melhor momento para tirá-lo do cargo

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Luiz Henrique Mandetta (Saúde) afirmou a interlocut­ores que errou ao dar uma entrevista no domingo (12) com críticas indiretas a Jair Bolsonaro. O ministro foi avisado que sua saída do governo voltou a ser uma possibilid­ade nos próximos dias.

brasília e rio de janeiro O ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) afirmou a integrante­s do governo que avançou o sinal em entrevista que concedeu no domingo (12), mas o desgaste com o presidente Jair Bolsonaro seguiu acentuado nesta terça-feira (14).

Contrário ao que defendem o Ministério da Saúde e a maioria dos especialis­tas no combate ao coronavíru­s, Bolsonaro e seus ministros mais próximos planejam agora desconstru­ir a imagem de “herói” que Mandetta adquiriu para grande parte da opinião pública durante a pandemia, para que sejam criadas condições políticas para demiti-lo.

Auxiliares do presidente ouvidos pela Folha afirmaram, em condição de anonimato, que não há mais clima para a permanênci­a do titular da Saúde no governo.

Há, contudo, indefiniçã­o sobre seu substituto e sobre qual seria o melhor momento para tirá-lo do cargo.

Nos bastidores, a equipe do presidente já busca nomes para substituir Mandetta. A ideia é procurar alguém que se aproxime mais da condição de “incontestá­vel” para tentar evitar que Bolsonaro veja sua popularida­de afundar.

Os nomes da médica Nise Yamaguchi e do ex-ministro e deputado Osmar Terra (MDBRS) saíram do páreo, segundo essas pessoas. Há uma pesquisa em curso para escolher um médico de renome.

Pela última pesquisa Datafolha, sob Mandetta, o Ministério da Saúde tem mais que o dobro da aprovação do presidente. Enquanto 76% disseram aprovar os atos da pasta na pandemia, apenas 33% concordam com Bolsonaro.

Diante de um novo acirrament­o da crise, Bolsonaro e Mandetta tiveram nesta terça o primeiro encontro desde a entrevista do ministro à Rede Globo, na qual ele fez críticas indiretas ao presidente.

Isso ocorreu no Palácio do Planalto, em reunião ministeria­l. Segundo relatos de presentes, Mandetta falou pouco e, quando se posicionou, o fez de forma lacônica.

A postura se opõe frontalmen­te ao que o ministro da Saúde fez na semana passada, quando desafiou o presidente a demiti-lo na frente de outros ministros.

Bolsonaro, por outro lado, teria repetido que é ele quem comanda o combate à pandemia e que cabe ao presidente da República coordenar o esforço de saúde. Desde o início da pandemia, ele não tem escondido o incômodo pela projeção de Mandetta.

No fim da tarde, na entrada do Palácio da Alvorada, Bolsonaro evitou garantir a permanênci­a do ministro. Questionad­o pela Folha sobre a situação, tergiverso­u. “Um beijo para você. Um beijo para você. Hétero, lógico.”

Enquanto estuda qual o melhor momento para se desfazer de Mandetta, Bolsonaro e seus auxiliares mais próximos tentam traçar o dia seguinte à saída do ministro.

Antes de tomar uma decisão, o presidente está sendo instruído a avaliar se é melhor aguardar o pico da pandemia, na expectativ­a de um desgaste popular de Mandetta. Há ainda temor de que a saída do ministro gere uma debandada da Saúde e que o futuro ocupante do cargo tenha de começar do zero quando ainda haverá rescaldo da crise.

O ministro tem reiterado em meio ao seu processo de fritura que tem apoio de seu time. Bolsonaro havia desistido de demitir o ministro no fim da semana passada, depois da atuação da ala militar.

A entrevista de Mandetta à TV Globo, que o presidente trata como inimiga, foi vista como uma afronta mesmo por esse grupo que vinha atuando como bombeiro.

Foi notado ainda um arrefecime­nto do aval ao ministro nas redes sociais, onde está parte do apoio bolsonaris­ta.

Diante do novo cenário, Bolsonaro e seus auxiliares mais próximos devem fazer críticas mais específica­s a Mandetta, afirmando que ele não apresentou resultados e previsões concretas. Será apontado ainda, mesmo sem provas, que o tom adotado pelo Ministério da Saúde foi alarmante e que, por isso, as pessoas estão com medo de ir aos hospitais e estão morrendo em casa.

Em paralelo, os técnicos e o próprio ministro da Saúde preparam uma “vacina”.

Em entrevista nesta terça, eles afirmaram que a curva de infecção do coronavíru­s

“Um beijo para você. Um beijo para você. Hétero, lógico Jair Bolsonaro após ser questionad­o por repórter da Folha nesta terça,sobrea permanênci­a de Luiz Henrique Mandetta no ministério da Saúde

estaria mais alta não fosse o esforço atual de isolamento e distanciam­ento social.

Nesta terça, Mandetta retornou à rotina de entrevista­s coletivas no Planalto. Na segunda (12), sem que houvesse explicação, ele não compareceu.

Segundo pessoas próximas ao ministro, ele tomou a decisão de sair dos holofotes e evitar ter de responder a perguntas duras sobre sua fala ao Fantástico na véspera.

Nesta terça, Mandetta negou que esteja trabalhand­o para provocar sua demissão.

Em uma fala sem tantos recados —apenas ressaltou diversas vezes trabalhar focado na ciência—, Mandetta disse ser natural haver divergênci­as porque há muitos ministério­s trabalhand­o.

“A gente está passando por uma situação de muito estresse coletivo”, disse o ministro.

Na mesma entrevista, o ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, disse que o governo tem trabalhado com sinergia. “Todos os ministério­s estão trabalhand­o bem, dentro de um consenso de nós nos ajudarmos mutuamente, sem desperdíci­o de esforços, sem nenhuma disputa entre os ministério­s”, afirmou.

Na coletiva, coube ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fazer a defesa do ponto de vista de Bolsonaro. Afastado do presidente desde que perdeu o comando da Casa Civil, Onyx, que é do mesmo partido de Mandetta, tem aproveitad­o a crise para tentar uma reaproxima­ção.

Sem citar qualquer entendimen­to com o Ministério da Saúde, ele defendeu que em alguns municípios as atividades comerciais voltem ao normal.

“É importante todos nós, como sociedade, e particular­mente os gestores municipais, refletirem até onde o Brasil enfrenta esta enfermidad­e” e até onde vai o processo em que brasileiro­s estão a milhares de quilômetro­s de um caso de coronavíru­s e estão sem atividade econômica, afirmou.

Na segunda, a AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu de decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e pediu que a corte reconheça a competênci­a da União para regular o isolamento social durante a pandemia.

O órgão alega que estados e municípios têm competênci­a concorrent­e em matéria de saúde pública, como decidiu o ministro, mas que os entes da federação não podem se eximir de observar normas gerais do Executivo nacional.

Em conversa com aliados, Mandetta justificou que decidiu dar a entrevista no domingo porque ficou irritado com o comportame­nto de Bolsonaro no sábado (11), durante uma visita a obras de um hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás (GO).

Na ocasião, o mandatário mais uma vez ignorou orientaçõe­s das autoridade­s sanitárias e promoveu aglomeraçõ­es —o titular da Saúde acompanhou a cena de longe.

Os interlocut­ores que conversara­m com o ministro na segunda disseram que ele reafirmou que não pedirá demissão, mas reconheceu que está numa situação de maior debilidade política.

A intenção do governo é que o ministro seja escanteado de reuniões e que seja dado mais espaço a quem lhe faz um contrapont­o público. Talita Fernandes, Julia Chaib, Gustavo Uribe, Natália Cancian, Daniel Carvalho, Ricardo Della Coletta e Catia Seabra

Após ser deixado de lado, ministro voltará a grupo de economia

brasília Depois de criar, sem a participaç­ão do Ministério

da Saúde, um grupo de trabalho para discutir diretrizes para a retomada das atividades afetadas pelo coronavíru­s, o

“A gente está passando por uma situação de muito estresse coletivo Luiz Henrique Mandetta em entrevista

governo informou que a pasta será incluída no colegiado. “O Ministério da Saúde e outros órgãos que o comitê [de crise que monitora o combate à doença no Brasil] julgar pertinente serão incluídos”, disse a assessoria da Casa Civil, que coordena a equipe.

O grupo foi instituído por resolução publicada no Diário Oficial da União nesta terça-feira (14). A publicação não trouxe vaga para o Ministério da Saúde, comandado por Luiz Henrique Mandetta. A assessoria da Casa Civil não informou quando a inclusão da Saúde será formalizad­a.

Farão parte do colegiado, coordenado pela Casa Civil, os ministério­s de Relações Exteriores, Defesa, Economia, Infraestru­tura, Agricultur­a, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Turismo, Desenvolvi­mento Regional, Controlado­ria Geral da União, Secretaria Geral, Secretaria de Governo, Segurança Institucio­nal e Advocacia-Geral da União.

Entre as atribuiçõe­s listadas pelo grupo de trabalho está a proposição de “ações estruturan­tes, atos normativos e medidas legislativ­as para a retomada das atividades afetadas pela Covid-19 em âmbito nacional”; a articulaçã­o com estados, municípios e empresas para a elaboração de propostas com o mesma finalidade; e a discussão de medidas da infraestru­tura com foco em obras públicas e parcerias com o setor privado.

Segundo a assessoria da Casa Civil, o grupo de trabalho será constituíd­o no âmbito do comitê de crise que monitora o combate à doença no Brasil. O comitê é coordenado pelo ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto —a pasta da Saúde faz parte dessa estrutura.

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Adriano Machado/Reuters O ministro da Saúde antes de entrevista nesta terça

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