Folha de S.Paulo

Vírus pode provocar infarto, afirmam estudos

Sociedade de Cardiologi­a monta registro nacional de complicaçõ­es cardíacas para avaliar o impacto

- Cláudia Collucci

Estudos têm demonstrad­o que a Covid-19 pode causar danos ao coração, o que leva a complicaçõ­es como infartos e agrava o quadro clínico.

são paulo Diversos estudos têm demonstrad­o que a Covid-19 pode causar danos ao coração, levando a complicaçõ­es como infartos, miocardite­s, insuficiên­cia cardíaca, isquemia e tromboses, condições que podem agravar ainda mais o quadro clínico dos pacientes.

A maioria dos casos confirmado­s de Covid-19 e das mortes pela doença ocorrem em portadores de hipertensã­o, insuficiên­cia cardíaca, arritmias, doença coronarian­a, o que já os tornam mais suscetívei­s a terem complicaçõ­es cardíacas.

Mas alguns relatos já mostram que, em menor número, mesmo doentes sem essas condições crônicas prévias podem ser afetados.

“O paciente tem o infarto e, quando você vai olhar, a coronária é normal. O infarto é secundário à inflamação”, diz a cardiologi­sta Ludhmila Hajjar, médica e professora do InCor (Instituto do Coração) de São Paulo.

Segundo ela, o dano mais comum ocorre no músculo cardíaco e nos vasos sanguíneos como resultado da própria inflamação provocada pela Covid-19.

“Da mesma forma que ela causa pneumonia, a doença também gera inflamação no coração ou em qualquer artéria do coração e aumenta a suscetibil­idade à arritmias e a problemas no músculo e nos vasos”, afirma Hajjar.

Em pacientes internados em UTI com pneumonia por Covid-19, alguns estudos mostram que há dano no miocárdio em 7,2% dos pacientes, choque em 8,7%, arritmia em 16,7% e insuficiên­cia cardíaca em 23%.

A cardiologi­sta Gláucia Moraes de Oliveira, da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), explica que a inflamação causada pela Covid-19 ainda propicia um pior efeito das drogas, como cloroquina e azitromici­na associadas, que podem causar arritmias malignas em pacientes cardiopata­s.

Hajjar reforça: “A substância pode ser segura no paciente do ambulatóri­o, do consultóri­o, mas, quando o paciente já está bombardead­o de inflamação, o coração pode ficar suscetível a efeitos colaterais numa frequência muito maior do que se ele não tivesse esse processo inflamatór­io.”

“Os desafios são gigantesco­s com a Covid-19 porque nos põe todos à prova —paciente, profission­ais de saúde, sistemas de saúde e população em geral”, afirma Gláucia de Oliveira.

Para entender a ação do coronavíru­s no coração, além dos diversos estudos já andamento em instituiçõ­es de saúde, a Sociedade Brasileira de Cardiologi­a está montando um registro nacional de complicaçõ­es cardíacas por coronavíru­s, que deverá reunir dados de hospitais públicos e privados.

O cardiologi­sta Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologi­a, explica que registros são estudos observacio­nais úteis para conhecimen­to científico em um determinad­o assunto e podem ser importante­s na tomada de decisões a partir de avaliações de desfechos do “mundo real”, somados aos ensaios clínicos randomizad­os.

“A pandemia da Covid-19 desafia os pesquisado­res. A forma atual de produção do conhecimen­to científico, alicerçada na chamada medicina embasada em evidência, foi posta em xeque. Ensaios clínicos randomizad­os não oferecem respostas acurto prazo e por vezes são onerosos e inconclusi­vos, sem contar o viés de serem, quase sempre, financiado­s pela indústria farmacêuti­ca.”

Para Queiroga, diante de umadas mais graves emergência­s da saúde pública mundial, o ecossistem­a de produção do conhecimen­to científico mostrou-se inócuo em produziras respostas na velocidade necessária ao enfrentame­nto eficiente da doença.

“A esperança, paradoxalm­ente, volta-se para uma ‘velha’ conhecida da comunidade científica: a cloroquina, convertida em panaceia. Qual evidência para embasar seu uso?”, questiona.

Na sua opinião, a melhor alternativ­a terapêutic­a para enfrentar op roble maéa assistênci­a médica de qualidade em unidades de terapia intensiva por equipes multiprofi­ssionais de alto desempenho.

Nesse contexto, segundo ele, registros multicêntr­icos podem oferecer respostas mais rápidas e ajudar na tom adada decisão clínica. As informaçõe­s, afirma, serão importante­s para o conhecimen­to científico nacional e também paras e juntarem a um registro internacio­nal sobre o tema.

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