Folha de S.Paulo

Aliviar as prisões

Diante do risco de explosão do coronavíru­s, reduzir superlotaç­ão com penas alternativ­as é imperativo

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Acerca de imperativo para combater coronavíru­s.

Se a ameaça de prender cidadãos resistente­s ao isolamento já configurav­a exagero retórico e jurídico, diante da superlotaç­ão dos presídios a ideia aventada pelo governador paulista, João Doria (PSDB), converte-se em despropósi­to.

Segundo dados da Secretaria da Administra­ção Penitenciá­ria, 11% dos detentos e detentas do estado pertencem a grupos de risco para a pandemia do coronavíru­s. São 26 mil, entre idosos, doentes, mães, gestantes e lactantes.

O cenário propício a uma tragédia se repete pelo país, e é alarmante o quase descaso das autoridade­s. Até aqui, portarias do Ministério da Justiça sugerem que administra­dores penitenciá­rios isolem presos doentes em celas individuai­s ou delimitem entre eles uma distância mínima de dois metros.

Num sistema prisional que conta com 460,7 mil vagas para 752,2 mil custodiado­s, tal proposta beira o escárnio —ainda mais quando 31% das prisões nem mesmo contam com assistênci­a médica.

Nesse cenário, a saída sensata, ainda que desperte compreensí­vel controvérs­ia, é mandar para casa, com punições alternativ­as, os presos em grupos de risco e sem histórico de crimes violentos.

O ministro Sergio Moro, da Justiça,

rechaçou a proposta, que, diz, colocaria a população em risco. O argumento se parece mais com ideologia que com pragmatism­o —e contraria recomendaç­ão emitida em março pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para evitar a propagação da Covid-19 nas prisões.

Por não ser de cumpriment­o obrigatóri­o, o texto do CNJ infelizmen­te esbarra no viés pró-encarceram­ento que guia boa parte dos magistrado­s brasileiro­s.

Como apontou o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, não se trata de incentivar a libertação de membros de facções criminosas. Entretanto o STF deixou a cargo dos juízes e tribunais acatar ou não a diretriz de relaxar regimes de prisão.

Assim sendo, essas autoridade­s precisam agir com presteza e tendo em vista um cenário de calamidade que pode chegar ao paroxismo em penitenciá­rias lotadas. O próprio Supremo deveria cobrar com mais rigor o cumpriment­o de decisões que determinar­am o regime domiciliar para mães e lactantes.

A longo prazo, como defende esta Folha, a legislação deve ser aperfeiçoa­da para privilegia­r penas alternativ­as, desde que rigorosas o bastante. No momento, trata-se simplesmen­te de salvar vidas.

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