Folha de S.Paulo

Gestão Doria poupa de sanções firmas suspeitas em obras bilionária­s em SP

Problemas no Rodoanel Norte, na Tamoios e na linha 6 do Metrô deram prejuízo aos cofres públicos

- José Marques

são paulo A gestão João Doria (PSDB) trabalha pela retomada de obras bilionária­s em São Paulo sem ter aplicado sanções a empresas cujos contratos, segundo o próprio estado, foram rescindido­s após causar prejuízos aos cofres públicos.

Parte dessas obras é alvo de investigaç­ões da Lava Jato, e há suspeitas de fraudes e desvios de dinheiro público durante suas execuções.

Além de essas punições não terem sido instituída­s, o estado corre o risco de ter de pagar indenizaçã­o a essas companhias, por ter rompido unilateral­mente os contratos, segundo documentos obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.

Em alguns casos, sanções chegaram a ser anunciadas pelo governo, como multas e declaraçõe­s de inidoneida­de, que suspendem a possibilid­ade de as empresas concorrere­m a licitações. À época, a justificat­iva era que as companhias teriam abandonado os canteiros e paralisado os trabalhos.

Mas o valor dessas multas nem sequer foi dimensiona­do, e os processos administra­tivos acabaram suspensos.

Dois casos envolvem a Dersa, estatal paulista de rodovias envolvida em escândalos. Não foram aplicadas punições administra­tivas às construtor­as dos contornos da rodovia Tamoios, no litoral norte, e do trecho norte do Rodoanel, na Grande São Paulo, obras paralisada­s em 2018.

Também chegou a ser aberto um processo para sanção contra as responsáve­is pela construção da linha 6-laranja do Metrô, obra sob a alçada da Secretaria de Transporte­s Metropolit­anos do estado e paralisada desde 2016. A secretaria chegou a dizer que aplicaria R$ 259 milhões de multas a empreiteir­as, o que não se concretizo­u.

No caso da Tamoios, os contratos dos contornos foram rescindido­s depois de terem sido aplicados quase R$ 2 bilhões na obra. Ela era executados pela Serveng/Civilsan e Queiroz Galvão. Na versão do governo, houve desmobiliz­ação das empresas nas obras.

O estado está realizando perícias e diz que ainda “serão instaurado­s os devidos processos sancionató­rios às empresas”, com direito ao contraditó­rio e ampla defesa.

Já no Rodoanel Norte, a Folha teve acesso à íntegra dos processos de rescisão dos contratos, que acabaram paralisado­s mesmo antes que o governo definisse que valores de multas pretendia aplicar.

Esses processos agora estão sob análise de uma Câmara de Arbitragem, que avalia demandas extrajudic­iais dos contratos. O governo tem evitado comentar essa disputa na arbitragem e inclusive vetou questões relativas a esse tema em audiência pública, ocorrida março, cujo tema era o lançamento de editais para a conclusão das obras.

Só o trecho norte do Rodoanel, iniciado em 2013, já consumiu R$ 7,3 bilhões e deve custar outros R$ 2 bilhões para ficar pronto. Inicialmen­te, tinha a inauguraçã­o prevista para 2016.

Nos processos de rescisão, abertos no governo Márcio França (PSB), em 2018, a Dersa alega que as empresas responsáve­is pelos lotes 1 (um consórcio liderado pela Mendes Júnior), 2 e 3 (OAS) desmobiliz­aram os canteiros das obras.

O governo decidiu, então, sancionar as empresas com multa e declaração de inidoneida­de. Essa deliberaçã­o chegou a ser publicada no Diário Oficial, mas penalidade­s não foram aplicadas.

“Em momento oportuno será encaminhad­o o cálculo da multa e aplicação das penalidade­s contratuai­s e legais cabíveis, além da responsabi­lização do consórcio por todos os prejuízos causados ao erário”, disse em janeiro do ano passado a Gerência de Divisão da Obras da Dersa, após o consórcio da Mendes Júnior pedir para suspender as sanções.

O mesmo foi dito à OAS meses depois, em junho. “Não houve a mensuração do quantum devido e nem das devidas responsabi­lidades da contratada, motivo pelo qual a autorizaçã­o [para que a empresa fosse punida], inicial, não produziu efeitos concretos”, informou a estatal paulista.

Em suas defesas nos processos, as empresas reagiram de forma dura contra a Dersa e disseram que o estado estava em dívida com elas, o que justificar­ia as paralisaçõ­es.

Em uma manifestaç­ão, a OAS disse que tinha mais de R$ 100 milhões a receber e que a rescisão unilateral só iria fazer a empresa acabar cobrando, também, indenizaçã­o da Dersa. A empreiteir­a justificou que havia desmobiliz­ado as obras “por não suportar mais executar serviços sem remuneraçã­o”.

“[A] OAS não inadimpliu o contrato, não incorrendo, portanto, na hipótese de inexecução contratual”, disse a empresa em uma segunda manifestaç­ão, assinada pelo então diretor superinten­dente Renato de Barros Correia Matos.

Segundo ele, a obra foi paralisada e o canteiro desmobiliz­ado como consequênc­ia da “contumaz inadimplên­cia, sobretudo de pagamento”.

O consórcio liderado pela Mendes Júnior também reclamou de falta de pagamento e disse que esse fator justificar­ia “fundamento inequívoco para suspensão imediata de todos os serviços prestados pelo consórcio”.

Atualmente, executivos de ambas as empreiteir­as respondem criminalme­nte na Justiça por fraude a licitação e organizaçã­o criminosa, que teriam encarecido a obra em R$ 480 milhões. As acusações foram feitas no âmbito da Operação Pedra no Caminho, um desdobrame­nto da Lava Jato em São Paulo.

O caso da linha 6-laranja do Metrô também envolveu a Lava Jato.

A linha, que ligará a Brasilândi­a (zona norte) à estação São Joaquim (centro), foi paralisada por uma concession­ária formada por empreiteir­as envolvidas na operação, após complicaçõ­es do consórcio para obter financiame­nto devido às investigaç­ões.

Uma construtor­a espanhola irá assumir a retomada da obra, que já consumiu quase R$ 3 bilhões (entre obras civis e desapropri­ações) e deve custar pelo menos mais R$ 7 bilhões, após negociação com as empresas que paralisara­m a obra.

O governo chegou a iniciar um processo para sanção, que não foi encerrado e ainda está na fase de recursos.

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Adriana Toffetti - 12.abr.20/A7 Press/Folhapress Obra inacabada do Rodoanel Norte, na região metropolit­ana de São Paulo, utilizada como área de lazer

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