Folha de S.Paulo

As mortes no país dopado pela cloroquina

Cadê a produção em massa de UTIs, testes e medidas para evitar mais ruína de empresas?

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

É uma obviedade fúnebre e terminal que o Brasil não tem política nacional para lidar com a epidemia. Há algumas ilhas mais racionais de governança, ainda assim inconstant­es e precárias, nos estados, no Congresso e em partes de ministério­s, quase todas sabotadas pelo indivíduo que ocupa a cadeira de presidente da República.

No que resta de governança, é preciso prestar atenção ao essencial, que não é a conversa lunática sobre qual tipo de óleo de cobra cura a espinhela caída da Covid-19.

O que é essencial? Primeiro, organizar ou determinar, se for o caso, a produção de bens para combater a doença, como numa guerra se produzem aviões e tanques.

Onde está a produção aumentada e em massa de equipament­os de UTI, testes, infraestru­tura para analisar seus resultados, aparelhos de proteção para o pessoal da saúde? Nós não temos NEM AS ESTATÍSTIC­AS DA PRECARIEDA­DE.

Segundo, fazer testes em massa para combater a doença e inventar um plano de saída. NÓS NÃO TEMOS TESTES, nem meios nem planejamen­to de como fazê-los e para quê. É preciso falar de testes diariament­e, à exaustão.

Terceiro, evitar ao máximo a ruína de empresas. A destruição de empresas não apenas dizima empregos mas acaba com capital organizaci­onal (conhecimen­to das empresas), “humano” (trabalhado­res especializ­ados em um setor ou desemprega­dos de longa duração têm dificuldad­e de arrumar emprego). É preciso evitar que a recessão neste ano seja maior que o afundament­o horrendo e somado de 2015 e 2016. Mais: sem evitar destruição maior de empresas e sem um plano também econômico de saída, a depressão pode durar muito além. 2023?

Na última semana de março, o governo federal dizia que haveria 22,9 milhões de testes para Covid-19. Na semana passada, dizia que haveria uns 9 milhões até julho. Em um boletim também da semana passada, dizia que “estaria mandando” uns 450 mil testes para os estados até hoje.

No começo do mês, o ministro Paulo Guedes (Economia) dizia a empresário­s que estaria negociando a compra de testes, o bastante para testar 40 milhões de pessoas por mês e, assim, dar “passaporte de imunidade” para trabalhado­res.

Parece aquelas contas de trilhão dos economista­s do governo. Cadê? São Paulo fez até agora uns 15 mil testes.

Falta ainda dinheiro para que empresas não naufraguem em massa, sejam micro ou médiogrand­es, não importa. Faz duas semanas que está no governo uma conversa sobre dar crédito aos micro pelo sistema das maquininha­s (pelo qual bancos financiam as vendas a crédito dos pequenos, em suma).

Cadê? Seja esta ou outra solução, está atrasada em relação ao crédito para as pequenas e médias, de resto insuficien­te. Faz umas duas semanas se espera um plano de socorro para microempre­sas (com faturament­o inferior a R$ 360 mil por ano) e para empresas maiores (faturament­o anual de R$ 10 milhões por ano) que vão naufragar igualmente na paralisaçã­o da epidemia, a depender dos setores. Cadê?

Dizer que os pacotes de socorro devem atender primeiro os mais necessitad­os é uma obviedade e uma tolice enviesada por uma versão perversa e ora completame­nte fora de lugar da ideia de focalizaçã­o de gasto social.

Sem poder gastar, o desemprega­do antes remediado ou que tinha rendimento bem acima da média nacional vai causar estrago no rendimento de quem vem abaixo na pirâmide socioeconô­mica. O desemprega­do da empresa maior deixará de comprar, pagar contas ou o empréstimo no banco. É uma cascata de quebradeir­a.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil