Folha de S.Paulo

Pelos R$ 600, Itapeceric­a vai às ruas e quebra quarentena

Cidade paulista, que teve adesão de 76% ao isolamento, viu filas em bancos

- Dhiego Maia

itapeceric­a da serra A cidade que vinha mantendo o maior número de pessoas em casa quebrou a quarentena contra o novo coronavíru­s.

Itapeceric­a da Serra, na Grande São Paulo, foi às ruas nesta terça (14). A cidade havia registrado adesão de 76% ao isolamento social imposto pela pandemia no último domingo (12) —maior índice entre as cidades monitorada­s.

Os dados são compilados pela gestão Doria (PSDB), a partir do monitorame­nto de celulares da população.

A quebra parcial da quarentena na cidade de 175 mil habitantes teve um motivo: o pagamento do auxílio emergencia­l de R$ 600 disponibil­izados pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

A agência da Caixa Econômica

Federal, em frente ao Largo da Matriz, na região central da cidade, ficou lotada de gente à espera do benefício.

Do lado de fora do banco, um fila se formou, com muitas pessoas sem máscaras e bem próximas uma das outras.

Uma delas era a estagiária Ednéia dos Santos, 26. Ela diz que peregrinou por vários bancos da cidade até chegar à Caixa. Mas seu esforço foi em vão. “Quando eu cheguei, não havia mais senha disponível. Terei que voltar amanhã”, diz.

No centro da cidade, além dos bancos, o movimento era intenso nos supermerca­dos e nas lojas de eletrodomé­sticos e confecções, que estavam com as portas abaixadas até a metade.

Do lado de fora de uma dessas lojas estava a babá Fabiana Calazans, 37. Ela foi até o local para quitar uma prestação.

“Aqui é uma cidade pequena, a internet é péssima no meu bairro e não consigo fazer as coisas de casa. O jeito é se arriscar e sair para resolver a vida”, afirma.

Até a aposentada Terezinha Cândida, 77, resolveu tomar uma fresca para acompanhar a filha ao banco, também na região central da cidade. “Onde eu moro está um deserto só. Cansa muito isso”, conta.

No centro, o único espaço que estava realmente às moscas era o shopping. Para entrar, o frequentad­or precisava pegar uma ficha de acesso para conseguir atendiment­o em uma loja de conveniênc­ia, num supermerca­do e na lotérica —os únicos espaços abertos ao público.

Itapeceric­a tenta erguer um “muro” na divisa com a vizinha cidade de São Paulo, que concentra o maior número de mortes e casos confirmado­s de Covid-19 no estado.

Até esta terça, o município acumulava uma morte confirmada, outras cinco sob investigaç­ão e mais 28 pessoas contaminad­as pelo vírus.

A gestão do prefeito Jorge Costa (PTB) aposta em campanhas de conscienti­zação para alertar a população sobre os riscos da doença.

Duas vezes ao dia, um carro de som espalha conselhos como “fiquem em casa” e “evitem festas e aglomeraçõ­es”.

Fábio Jodave, que faz a comunicaçã­o da atual gestão, disse que no início da pandemia os alertas eram ao vivo e mais incisivos: “A gente entrava no supermerca­do que tinha aglomeraçã­o e botava todo mundo para correr”.

As ruas, as avenidas e os pontos de ônibus da cidade estão sendo lavados com uma solução de cloro.

Outra iniciativa, diz Costa, é o aumento do número de leitos de UTI na cidade. “Vamos construir 62 leitos e compramos 12 respirador­es”, afirma.

O próprio prefeito mantém muita cautela em relação ao novo coronavíru­s. Toda pessoa que entra no seu gabinete precisa passar por um medidor de temperatur­a, tarefa executada pelo segurança Irineu Ferreira de Souza, 54.

A reportagem só conseguiu entrevista­r o prefeito porque a temperatur­a medida marcou 34,5 graus. “Tenho um zelador que trabalhava aqui comigo e morreu com suspeita dessa doença”, diz Costa. O servidor Paulo Vieira, 61, e mais dois irmãos dele morreram após uma festa na cidade em março. Os exames que atestarão se eles foram contaminad­os por coronavíru­s ainda não estão prontos.

Sobre as aglomeraçõ­es na região central, o prefeito afirma que notificou os bancos para “organizar as filas e aumentar os espaçament­os entre as pessoas”.

“Só está difícil mesmo a falta de alinhament­o de discurso entre Bolsonaro, governador­es e prefeitos. Aqui, a gente segue tudo o que o ministério da Saúde recomenda.”

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