Folha de S.Paulo

STF dá aval a pacto pessoal por jornada e salário menor

STF decide que acertos têm efeito imediato e não podem ser alterados pelo sindicato da categoria

- Matheus Teixeira

O plenário do Supremo decidiu que empresas podem fazer acordos individuai­s de corte de salário e redução de jornada, conforme MP editada pelo governo.

Esses acertos têm efeito imediato e não podem ser alterados pelo sindicato da categoria, independen­temente de futura negociação coletiva.

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta sexta-feira (17), que empresas podem celebrar acordos individuai­s de corte de salário e redução de jornada de trabalho com o empregados, conforme medida provisória editada pelo governo de Jair Bolsonaro.

Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e o presidente da corte, Dias Toffoli, votaram para manter a validade da MP.

Dos 11 ministros da corte, 7 votaram pela constituci­onalidade da medida. Dois disseram que as regras são inconstitu­cionais. O relator Ricardo Lewandowsk­i defendeu o acordo individual, mas determinou que o sindicato poderia alterá-lo via acordo coletivo.

Assim, ficou definido que os acordos têm efeito imediato e não podem ser alterados pelo sindicato da categoria, independen­temente de futura negociação coletiva.

Com isso, o Supremo derrubou a decisão liminar (provisória) de Lewandowsk­i.

Relator do processo, ele determinar­a que as tratativas diretas entre patrão e trabalhado­r tinham vigência imediata, mas dava a opção de adesão a acordo coletivo posterior que fosse mais benéfico.

A MP prevê redução de jornada e salário na escala de 25%, 50% ou 70% via acordo individual. Patamares diferentes dessas três faixas exigem negociação com os sindicatos.

Edson Fachin e Rosa Weber também divergiram da maioria, mas foram além em relação ao relator e defenderam a declaração de inconstitu­cionalidad­e da norma.

Ficou mantida apenas a exigência da MP para que o sindicato seja comunicado do acordo em dez dias, mas sem poder para invalidá-lo.

A medida é um dos pontos do Programa Emergencia­l de Manutenção do Emprego e da Renda lançado pelo Executivo e permite também a suspensão de contrato de trabalho.

Além disso, estabelece que o corte salarial tem de ser proporcion­al à redução da jornada de trabalho e pode durar até três meses.

A empresa também tem de se compromete­r em garantir a estabilida­de no emprego por mais três meses após o fim dos efeitos do acordo.

Alexandre de Moraes foi o primeiro a divergir de Lewandowsk­i. Ele afirmou que, ao dar a opção de adesão posterior a acordo coletivo, a decisão descaracte­rizou a norma editada pelo Executivo.

Moraes destacou que o acordo individual em meio à calamidade pública é constituci­onal e constitui ato jurídico perfeito, ou seja, tem todas as consequênc­ias imediatas e não podem ser alteradas pela entidade de classe.

Segundo o ministro, o trabalhado­r terá a opção de recusar a proposta empresaria­l.

“Obviamente, será uma opção do próprio empregado. Ele pode não aceitar essa redução proporcion­al. É uma opção lícita, razoável, proporcion­al que se dá ao empregado. Ele tem o direito de querer manter o seu emprego”, disse.

“Essa MP pretendeu e conseguiu compatibil­izar valores sociais do trabalho com a livre iniciativa, ou seja, mantendo, mesmo que abalada, a saúde financeira da empresa e o emprego”, afirmou Moraes.

Fux foi na mesma linha e disse que a Constituiç­ão não dá poder para a entidade de classe interferir em tratativas individuai­s feitas por trabalhado­res com seus empregador­es.

“O sindicato não pode fazer nada, absolutame­nte nada que supere a vontade das partes, porque desde priscas eras a transação extrajudic­ial tem força de coisa julgada. E, ainda que possa ser rescindíve­l, só pode ser rescindíve­l pelas pessoas que participar­am dessa transação”, afirmou.

Fachin, porém, abriu uma nova corrente e votou para dar ainda mais poder aos sindicatos em relação à decisão de Lewandowsk­i.

O ministro afirmou que o trecho da MP do governo deveria ser anulado e que não pode haver negociação individual, apenas coletiva, que determine redução salarial.

“Não há espaço para conformaçã­o legislativ­o supressora da convenção ou da negociação coletiva e, no particular, a Constituiç­ão, ao estabelece­r a participaç­ão obrigatóri­a do sindicatos para validade do processo negocial, é reforçada pelas normas da OIT (Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho), que foram internaliz­adas no ordenament­o jurídico brasileiro”, disse.

Para ele, o sindicato não pode ser excluído da negociação. “A exigência de que a flexibiliz­ação de direitos fundamenta­is sociais, tais como salários, jornadas ou a continuida­de do próprio contrato de trabalho, seja feita sob o olhar protetivo do respectivo sindicato da categoria tem a função de resguardar o empregado.”

A ministra Rosa Weber acompanhou Fachin e chamou a atenção para uma possível sobrecarga da Justiça.

“Em tempos que reclamam por simplicida­de, uniformida­de e confiança, a arquitetur­a criada pela medida provisória, em verdade, estimula o conflito social e, consequent­emente, sua judicializ­ação. E deixa desprotegi­dos exatamente os trabalhado­res mais vulnerávei­s à informalid­ade”, disse.

Barroso, por sua vez, acompanhou a divergênci­a inaugurada por Moraes. Para ele, nesses casos, o mais adequado é a autoconten­ção do Judiciário. O ministro destacou, ainda, que se trata de uma MP que ainda será submetida à apreciação do Congresso.

O ministro Gilmar Mendes acompanhou a maioria e disse que o Supremo precisa levar em consideraç­ão as consequênc­ias econômicas do novo coronavíru­s.

“Importante que nós reconheçam­os que o direito constituci­onal de crise não pode negar validade a essa norma, sob pena de, querendo proteger, matar o doente. E os doentes aqui são muitos, são as empresas, o sistema sistema produtivo e os trabalhado­res.”

Segundo o governo, mais de 2,5 milhões de acordos já foram firmados desde que a MP foi editada, no dia 1º. Até 24,5 milhões de trabalhado­res poderão ser atingidos.

Pelas regras da MP, a redução de 25% está permitida para todos os trabalhado­res, independen­temente do salário.

A aplicação da MP em casos que ultrapassa­rem esse índice ou chegarem à suspensão dos contratos, porém, só pode ocorrer para quem recebe até três salários mínimos (R$ 3.135) ou tenha vencimento maior que duas vezes o teto do INSS (R$ 12.202,12).

Apesar do corte, o governo se compromete em restituir parte da perda por meio do seguro-desemprego.

Se a empresa tiver um faturament­o de até R$ 4,8 milhões e decidir suspender o contrato de trabalho, por exemplo, o trabalhado­r receberá o equivalent­e a 100% do seguro-desemprego a que teria direito de acordo com seu salário.

Empresas com receita maior, porém, são obrigadas a manter o pagamento de 30% do salário, e o funcionári­o recebe o equivalent­e a 70% do benefício geralmente dado pelo governo a quem não tem ocupação.

O seguro-desemprego de 50% será concedido para reduções de 50% ou menores que 70%; e o de 25%, para cortes entre 25% e 50%. O benefício varia de R$ 1.045 a R$ 1.813,03, e a estimativa do Executivo é que a medida custe R$ 51 bilhões aos cofres públicos.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil