Folha de S.Paulo

Dez anos na UTI

- Julianna Sofia

brasília Há um rombo errante nas contas públicas federais neste ano. Segundo cálculos oficiais, já está em R$ 600 bilhões e com tendência a se aprofundar. Frente à catástrofe generaliza­da provocada pela pandemia na vida das famílias e nas empresas, é mais que aceitável romper os limites fiscais, mesmo com o custo elevado que será apresentad­o à sociedade brasileira nos anos que se seguirão.

Diante das incertezas sobre o impacto da crise, o governo de Jair Bolsonaro foi obrigado a abandonar uma meta fixa para o resultado primário em 2021 (sem os encargos da dívida). A impossibil­idade de projetar o comportame­nto da arrecadaçã­o levou a equipe econômica a ancorar sua política fiscal no teto de gastos —dispositiv­o que limita o avanço das despesas à inflação.

Espera-se um déficit de R$ 127,5 bilhões para 2022, último ano do mandato de Jair Bolsonaro. Nada mais irônico para um ministro da Economia, de orientação ultraliber­al e que chegou a prever zerar o déficit público já no primeiro ano da gestão bolsonaris­ta, não conhecer o azul de perto.

Paulo Guedes entregará ao próximo presidente eleito um rombo a ser administra­do. Seus técnicos estimam para 2023: saldo no vermelho equivalent­e a R$ 83,3 bilhões e dívida pública a se aproximar de 90% do PIB (Produto Interno Bruto). Profecia realizada, o país terá atravessad­o um período de dez anos com as contas na UTI —martírio iniciado na administra­ção de Dilma Rousseff em 2014.

Por ora, a estratégia é reforçar o discurso da diligência fiscal e retomar o ímpeto reformista e privatizan­te quando o mundo superar a crise. Na prática, porém, Guedes e o presidente semeiam uma guerra improfícua com o Legislativ­o. O clima conflagrad­o tornará a execução dessa agenda mais difícil no pós-coronavíru­s. De imediato, medidas emergencia­is enviadas pelo Executivo ao Parlamento são submetidas a doses cavalares de anabolizan­te fiscal.

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