Folha de S.Paulo

Consequênc­ias catastrófi­cas

Hospitais privados terão de lidar com múltiplas demandas

- Henrique Neves Vice-presidente da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)

Com a responsabi­lidade de atender cerca de 47 milhões de brasileiro­s, a saúde suplementa­r não é só relevante pela quantidade de serviços ou pela percepção da qualidade dos atendiment­os, mas por ser um importante pilar do setor ao desonerar o Sistema Único de Saúde (SUS) desse custo e responsabi­lidade.

Antecipand­o-se à chegada da Covid-19 ao Brasil, o Congresso Nacional editou a lei nº 13.979, em 6 de fevereiro, que contém um conjunto de medidas que interferem em direitos fundamenta­is e em regras habituais de comportame­nto da administra­ção pública; dentre elas, a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas.

Nesta pandemia, a saúde suplementa­r tem responsabi­lidades com a proteção de seus empregados e com o atendiment­o aos usuários. Planejou e realizou as compras de equipament­os e materiais em um mercado caracteriz­ado pela escassez, que exigiu aquisições no exterior e o uso de rotas pouco usuais para evitar o confisco em outros países. Apesar deste zelo, este provimento vem sendo objeto de dezenas de requisiçõe­s da administra­ção pública.

Sem condiciona­r a adoção dessas medidas à coordenaçã­o e ao controle da União ou esgotar as alternativ­as menos gravosas disponívei­s, o que se tem visto é o abuso de autoridade­s. Em um caso extremo, um município paulista retirou, com autorizaçã­o judicial, equipament­os que haviam sido requisitad­os pela União, porém já adquiridos por instituiçõ­es privadas, inclusive hospitais que atendem o SUS.

Iniciativa­s sem planejamen­to e alinhament­o entre os diversos interesses envolvidos e sem a coordenaçã­o da União, somadas ao populismo de lideranças locais, mostram a dificuldad­e gerada por essas requisiçõe­s, que mais contribuem para a inseguranç­a jurídica e a desestrutu­ração do sistema suplementa­r.

Ao se discutir a regulação única de leitos públicos e privados durante a pandemia, Espanha, Itália e Reino Unido são citados como exemplos —e ilustram dificuldad­es de planejamen­to, deficiênci­as estruturai­s do sistema de saúde, sem que se vislumbrem os benefícios da regulação única. O Brasil é um país continenta­l com peculiarid­ades regionais, diferente dos europeus citados. Dos mais de 430 mil leitos de internação, 62% estão em instituiçõ­es privadas. Desses, 52% já são disponibil­izados ao setor público. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2017, cerca de 60% das internaçõe­s de alta complexida­de do SUS foram realizadas por instituiçõ­es privadas, grande parte delas filantrópi­cas.

Do ponto de vista prático, uma regulação única teria que estar ligada a uma capacidade de monitorame­nto e gestão desses leitos, que por sua vez estão ligados a um sistema mais complexo.

Mesmo com a cooperação da rede privada, engajada na construção e operação de hospitais de campanha, ações para impor a regulação única de leitos já foram iniciadas. Caso avancem, as consequênc­ias serão —sem qualquer exagero —catastrófi­cas, já que os hospitais privados serão obrigados a lidar com múltiplas requisiçõe­s, sem qualquer controle ou planejamen­to.

Os déficits de leitos terão que ser avaliados em diversos níveis, como concentraç­ão de pacientes e capacidade do sistema de saúde e, se houver necessidad­e dos leitos privados, estes deverão ser utilizados nos termos e condições acordados entre a autoridade pública e os hospitais. Vale lembrar, ainda, que os hospitais já são legalmente obrigados a atender os pacientes que os procuram em situações de emergência e urgência.

Do ponto de vista prático, uma regulação única teria que estar ligada a uma capacidade de monitorame­nto e gestão desses leitos, que por sua vez estão ligados a um sistema mais complexo

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