Folha de S.Paulo

Em disputa com Maia, Planalto acena com cargos ao centrão para montar base

Bolsonaro recebe parte do grupo que controla pauta da Câmara um dia após atacar deputado

- Julia Chaib, Danielle Brant, Renato Onofre e Talita Fernandes

brasília Enquanto intensific­a ataques ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), a quem trata como adversário, o presidente Jair Bolsonaro tem feito acenos e oferecido espaços no segundo escalão para atrair o chamado centrão e diminuir o distanciam­ento do Congresso.

Nesta sexta (17), o ministro Walter Braga Netto (Casa Civil) recebeu três líderes do bloco no Planalto. O gesto político ocorreu um dia após Bolsonaro atacar Maia e dizer que o presidente da Câmara quer tirá-lo do poder.

Oficialmen­te, o líder do Republican­os, Jonathan de Jesus (RR), o líder do PL, Wellington Roberto (PB), e o do PP, Arthur Lira (AL), foram recebidos pelo militar e também pelo presidente com a justificat­iva de apresentar a eles o centro de comando das ações de combate ao coronavíru­s.

Contudo, a visita faz parte da estratégia do Planalto de minar a força de Maia e tentar trazer para a base do governo esses partidos, que somam apoios importante­s no Parlamento —só PP, PL e PSD têm 116 dos 501 deputados.

Segundo a Casa Civil, também foram à visita parlamenta­res do PSL, como Carla Zambelli (SP) e Sanderson (RS).

O centrão é formado por DEM, PP, PL, Republican­os, Solidaried­ade, PSD e outros partidos e foi fundamenta­l na eleição de Maia no ano passado. O grupo controla a pauta legislativ­a da Câmara e, até então, dava ao presidente da Casa apoio integral para ser um contrapeso a Bolsonaro.

Na quinta (16), Bolsonaro acusou o presidente da Câmara de conspirar para tirá-lo do posto e qualificou como péssima a atuação do deputado.

“Parece que a intenção é me tirar do governo. Quero crer que esteja equivocado”, disse Bolsonaro à CNN Brasil ao comentar a aprovação pela Câmara, de projeto de socorro aos estados e municípios.

Pouco depois, Maia rebateu as acusações e afirmou que Bolsonaro usou “um velho truque da política” de trocar a pauta para tentar desviar a atenção da demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde.

A ida de líderes do centrão ao Planalto nesta sexta foi interpreta­da por aliados de Maia como sinal de que esses parlamenta­res estão tentados a ceder ao apelo do governo.

Aliados de Bolsonaro, por exemplo, já teriam colocado à disposição de alguns partidos espaços importante­s. Segundo parlamenta­res, o PSD poderia indicar nomes para a Funasa (Fundação Nacional de Saúde), e o PP, para o Fundo Nacional para o Desenvolvi­mento da Educação.

A escalada de ataques contra Maia só teria sido decidida depois que Bolsonaro teve um aceno mais forte dos líderes de PP, PSD e PL de que ajudariam a compor sua base. O presidente precisava dessa sinalizaçã­o como um contrapeso ao provável desembarqu­e do DEM de seu governo.

Depois do ataque a Maia e da demissão de Mandetta da Saúde, Bolsonaro praticamen­te sacramento­u a saída do partido —outro integrante do DEM, o fiel ministro Onyx Lorenzoni, aguarda apenas a criação do Aliança pelo Brasil, partido do presidente, para se filiar à legenda.

A aproximaçã­o dos três partidos do Planalto é vista com desconfian­ça no Parlamento. Nas palavras de um líder que não quis se identifica­r, o governo entrou no modo desespero e está se aproximand­o “do centrão raiz”, que troca apoio por cargos.

Apesar disso, como há receio de que Bolsonaro não cumpra a sua palavra, líderes têm resistido a atender aos apelos do presidente.

O movimento de aproximaçã­o também tem como pano de fundo a eleição à presidênci­a da Câmara, em fevereiro de 2021.

Dentro do bloco político já há uma avaliação de que Maia tensiona a relação com Bolsonaro para se fortalecer e tentar ficar no cargo, com uma manobra para alterar a regra que impede uma reeleição dentro de uma legislatur­a.

A leitura feita por um grupo ainda minoritári­o é que a manutenção do protagonis­mo de Maia pode inviabiliz­ar qualquer movimento contrário a ele em fevereiro de 2021.

Do lado do Planalto, aliados de Bolsonaro veem nesse movimento um sinal de fragilidad­e de Maia e querem aproveitar para se posicionar na disputa pelo comando da Casa.

Em tese, Maia não pode ser candidato, mas aliados tentam articular uma saída jurídica e legislativ­a para que ele fique no cargo por mais dois anos, em um movimento que também pode beneficiar o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Maia está no seu terceiro mandato consecutiv­o à frente da Câmara.

Publicamen­te, diz que não tem pretensão de ficar no cargo. Internamen­te, porém, não esconde que quer ter a palavra final para indicar, pelo menos, seu sucessor.

Um dos nomes favoritos do presidente da Câmara para sucedê-lo é do líder da Maioria, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Maia também vê com bons olhos uma alternativ­a de fora do bloco como o presidente do MDB, Baleia Rossi (SP).

O presidente da Câmara tentou conter o movimento de aproximaçã­o de Bolsonaro. Individual­mente, chegou a pedir aos líderes que não se reunissem com o presidente de maneira isolada.

Nas últimas duas semanas, os presidente­s do Republican­os, Marcos Pereira (SP), e do PSD, o ex-ministro Gilberto Kassab, acompanhad­os de líderes da Câmara e do Senado, estiveram com Bolsonaro.

Além das conversas com o presidente, deputados do MDB, Solidaried­ade e até do PSDB foram ao Planalto na última semana para reuniões com ministros palacianos. Isso foi lido por integrante­s do governo como um gesto de descontent­amento com Maia.

O presidente da Câmara tem se recusado a sentar para conversar com integrante­s do governo e mantém críticas ao Planalto em suas entrevista­s coletivas diárias e em conversas com empresário­s.

Auxiliares do chefe do Executivo avaliam que não cabe ao Poder Legislativ­o fazer pronunciam­entos diários sobre a crise do coronavíru­s e que o deputado do DEM se vale do expediente para se manter no campo de oposição.

O governo também sente a falta do contrapont­o que Davi Alcolumbre fazia na relação com o Legislativ­o.

O presidente do Senado ficou fora da cena política por quase duas semanas, diagnostic­ado com o vírus. Quando voltou à rotina, ele se mostrou mais próximo de Maia que do governo. O ponto de inflexão foi a doença. Alcolumbre chegou a parar num hospital em Brasília por dificuldad­es para respirar.

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Maryanna Oliveira - 13.abr.20/Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (à esq.) no plenário vazio

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