Folha de S.Paulo

Putin e a ‘diplomacia triangular’

Presidente russo busca reaproxima­ção com os EUA e diluição de laços com a China

- Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, foi correspond­ente da Folha em Moscou e Pequim

Enquanto se deterioram as relações sino-americanas, como consequênc­ia política da pandemia, a Rússia busca se aproximar de Washington, de olho no redesenho dos laços entre as potências. Vladimir Putin, ao sinalizar o reposicion­a mento geopolític­o, resgata a “diplomacia triangular”.

O conceito surgiu na Guerra Fria, quando Henry Kissinger, formulador da política externa americana nas eras Richard Nixon e Gerald Ford, implemento­u a estratégia de aproveitar a rivalidade crescente entre os gigan- tes comunistas—URSS deLeon id Brej neve Chi nade M ao T sé-tu ng.

Com o triunfo da revolução maoísta em 1949, o Kremlin investiu pesadament­e, com ajuda política e econômica, na construção de um regime aliado no gigante asiático. A máquina de propaganda comunista agitava o slogan da parceria histórica entre o“irmão mais velho e o irmão mais novo”, referindo-se respectiva­mente a Moscou e a Pequim.

No entanto, os reinos vermelhos passaram de camaradas entusiasma­dos a amargos rivais, a partir de meados dos anos 1950, após a morte do ditador Josef Stálin (1878-1953). Entre motivos da contenda, o desejo de Mao de substituir os donos do Kremlin como “líder da família comunista internacio­nal”.

A URSS e a China alimentara­m rivalidade que chegou à beira de uma guerra nuclear, em 1969, quando suas tropas se enfrentara­m em região fronteiriç­a.

Os EUA, soba batuta deKis singer, detectaram então a chance dese aproximar da China maoísta, apesar das diferenças ideológica­s, afim de isolar seu rival númeroum da Guerra Fria. O inimigo dome ui nimigoém eu amigo, sugeriu alógica da Casa Branca.

Republican­os com robustas credenciai­s anticomuni­stas, Nixo neseu gurudip lo máticoKis singer deixaram de lado dogmas ideológico ses e aproximara­m de Mao, apoiados no conceito de “real poli tik”,quan doo pragmatism­odissolve cartilhas políticas. No pós-Guerra Fria, a “diplomacia triangular” se realinhou. Os EUA emergiram como única superpotên­cia, e, reflexo da mão pesa dada diplomacia americana, Rússia e China voltaram ase aproximar, apesar da coleção de atritos. Ao longo da história, Moscou e Pequim acumularam mais disputas do que cooperação. Como exemplo, a expansão russa conquistan­do território­s chineses, entre os séculos 17 e 19.

No momento atual, Putin vislumbrou a oportunida­de de recuperar laços com os EUA, apesar das desavenças dos últimos anos, com o objetivo de colocar Moscou em posição de equidistân­cia entre Washington e Pequim.

O Kremlin avalia como estratégic­a a aproximaçã­o com os EUA, não apenas para diminuir a dependênci­a em relação a Pequim. Busca também dividendos diplomátic­os e econômicos, como fim de sanções impostas pela Casa Branca após o início da guerra da Ucrânia, em 2014.

Nos últimos dias, Putin falou co mT rump, ao telefone, diversas vezes. Trataram do acordo, costuradot­ambém com Arábia Saudita, para estabiliza­r o mercado de petróleo, e falaram de ajuda mútua no combate à pandemia.

De olho no rearranjo diplomátic­o, a máquina de propaganda do Kremlin já despeja mensagens sobre a importânci­a da reaproxima­ção, usando, com frequência, uma referência histórica: a aliança entre americanos e soviéticos na Segunda Guerra.

Em 9 de maio, serão celebrados os 75 anos da vitória sobre o nazismo, e Putin, devido à pandemia, cancelou o desfile militar. Mas o presidente russo deverá insistir, em seus discursos, na necessidad­e de reconstrui­r laços com o aliado de outrora.

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