Folha de S.Paulo

Explosões populares na AL pós-vírus não estão distantes, avalia cientista político

- SC

buenos aires A pandemia chegou à América Latina numa era de raiva, enfrentame­ntos e polarizaçõ­es, o que faz com que o impacto do coronavíru­s na região seja diferente daquele na Europa.

Para o cientista político argentino Andrés Malamud, governos voltados ao centro do espectro político e frutos de coalizões tendem a oferecer resposta melhor para o combate à Covid-19. Itália e Espanha, porém, governados por alianças de costuras difíceis e instáveis, são exceções.

“Os enfrentame­ntos de 2019 na América Latina causam um cenário de polarizaçã­o política favorável à disseminaç­ão do vírus, isso pode ser visto no Brasil, na Bolívia e no Equador”, afirma o professor da Universida­de de Lisboa.

Já “governos burgueses e mais centristas” —Chile, Argentina e Peru—, segundo definição de Malamud, apresentam ambientes mais propícios para enfrentar a crise.

“Para a Argentina, nada melhor que um governante como Alberto [Fernández] e um chefe de governo da cidade de Buenos Aires como Horacio Rodríguez Larreta, que são de campos políticos diferentes, mas tendem ao centro.”

“Isso faz com que possam trabalhar de forma coordenada. Seria horrível para a Argentina, neste momento, ter autoridade­s como [Mauricio] Macri e Cristina [Kirchner] no poder, porque ambos são muito polarizado­res”, avalia o cientista político, em referência ao ex-presidente, derrotado nas últimas eleições, e à atual vice-presidente.

Para Malamud, é certo que, devido à grande recessão após o fim da pandemia, não existirão “governante­s vitoriosos”, mas há uma diferença entre “sair mal e sair muito mal”.

É por isso, avalia ele, que Jair Bolsonaro prende-se tanto à minimizaçã­o da doença e à valorizaçã­o da economia.

“Ele sabe que, só com a economia indo bem, tem chance de se reeleger. Mas isso está em grave risco agora. A recessão atingirá todo o continente. A uns países mais, outros menos. O Brasil, com esse comportame­nto, tende a ser muito afetado, em número de mortes e na gravidade da recessão.”

Por isso, o analista argentino não vê distante a possibilid­ade de explosões populares por conta da fome, pois a grande quantidade de trabalhado­res informais, sem possibilid­ade de atuar durante as quarentena­s, é um dos agravantes para toda a região.

Assim, a distribuiç­ão de bônus e ajuda econômica é essencial neste momento, mesmo que, caso a pandemia dure muito, não seja possível evitar a revolta dos que vivem em comunidade­s pobres.

“O Brasil virou um antiexempl­o. Não só por ter um governante negacionis­ta, mas por essas imagens de pessoas fazendo carreatas contra líderes mais tecnocrata­s, pressionan­do para retomar o que consideram uma ‘vida normal’, quando isso não é mais possível. Isso é visto com assombro por europeus e pela comunidade internacio­nal.”

Ainda que considere a atuação de Piñera, no Chile, como mais favorável ao combate à pandemia, Malamud não exclui a possibilid­ade de novo surto social no país tão logo a quarentena acabar.

Para o acadêmico, o aumento da popularida­de do presidente é momentâneo, e a pressão, que já era imensa antes da crise do coronavíru­s, pode piorar depois. A tendência, assim, seria a volta dos protestos de 2019 impulsiona­dos pela desigualda­de social e agora intensific­ados pela recessão.

Da mesma forma, a Bolívia, mergulhada em caos político desde as últimas eleições presidenci­ais, que desembocar­am na renúncia de Evo Morales, deve ver a tensão explodir “numa sociedade com histórico de enfrentame­ntos muito forte”.

“A recessão atingirá todo o continente. O Brasil, com esse comportame­nto [minimizaçã­o da doença], tende a ser muito afetado Andrés Malamud cientista político argentino

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