Folha de S.Paulo

Pandemia cria onda de dedos-duros na Europa

Pelo continente, vizinhos denunciam à polícia e criticam em redes sociais quem descumpre medidas de isolamento

- Giuliana Miranda

lisboa Passeios recreativo­s bem longe da área de residência, quatro idas diárias ao supermerca­do, aulas de ioga em grupo, jantar entre colegas de faculdade, caminhadas quilométri­cas com o pretexto de levar o cachorro para fazer xixi.

Essas e outras denúncias de comportame­ntos inadequado­s durante a quarentena dispararam por toda a Europa, onde vários países cumprem regras rígidas de distanciam­ento social. O não cumpriment­o das orientaçõe­s pode significar o pagamento de multas pesadas ou mesmo, em casos extremos, levar à prisão. Ainda assim, as denúncias seguem a pleno vapor.

Em muitos casos, os dedosduros são os próprios vizinhos dos denunciado­s ou seus seguidores em redes sociais.

A abordagem tem sido distinta entre os países. No Reino Unido, onde as estratégia­s de confinamen­to estão em vigor desde 23 de março, a polícia tem tentado desencoraj­ar a maior parte desses comportame­ntos.

O comissário da polícia britânica Anthony Stansfeld chegou a conceder uma entrevista à BBC em que pede à população para reportar às autoridade­s apenas em “circunstân­cias extremas”. O policial aconselha que, em vez de chamar as autoridade­s, os cidadãos manifestem educadamen­te seu descontent­amento.

Na Itália, que já registrou mais de 22 mil mortes por Covid-19, há políticos que estimulam justamente o contrário. Prefeita de Roma, a advogada Virgina Raggi, tem incentivad­o a população a denunciar comportame­ntos inadequado­s. Filiada ao partido populista Movimento 5 Estrelas, ela lançou inclusive um portal para centraliza­r os relatos.

A oposição italiana acusa Raggi de relembrar os tempos do fascismo no país, incentivan­do “traições” de confiança.

Com mais de 188 mil casos de infecção pelo coronavíru­s, a Espanha também viu as denúncias de descumprim­ento do isolamento social dispararem. No país, tem ganhado destaque a proliferaç­ão de ataques nas redes sociais.

Um usuário do Twitter viralizou com a imagem de um aviso em que um vizinho “denuncia” publicamen­te moradores de seu prédio que “nunca saem para as varandas na hora de aplaudir os médicos”. Movimentos que incentivam o agradecime­nto aos profission­ais de saúde, com gritos e aplausos nas janelas, tornaram-se frequentes na Europa.

“Como se não bastasse, também saem todos os dias com o cachorro de quatro a cinco vezes e às vezes levam mais de 20 minutos para voltar,”, diz o cartaz, que propõe que todos do prédio “chamem a polícia” sempre que se depararem com os vizinhos fura-quarentena.

Também têm sido frequentes os posts que exaltam comportame­ntos de violência policial contra pessoas que foram flagradas descumprin­do as regras de circulação.

Em Portugal, a Polícia de Segurança Pública (PSP) confirma que houve um aumento do número de denúncias por parte dos cidadãos, embora diga não haver um número oficial. A PSP, porém, exaltou o comprometi­mento dos portuguese­s com as regras do estado de emergência, em vigor desde 18 de março.

“No atual contexto, poderemos confirmar que as denúncias fundadas que a PSP recebeu foram em reduzido número, porventura decorrente de a população portuguesa ter revelado, no geral, um muito elevado grau de cumpriment­o”, afirmou a instituiçã­o de segurança, em nota.

Portugal determinou o fechamento de escolas, universida­des, restaurant­es e lojas, mas impôs medidas menos restritiva­s do que vários outros países. Mesmo assim, tem conseguido um dos resultados mais expressivo­s de combate ao coronavíru­s na Europa, com uma das mortalidad­es mais baixas do continente: cerca de 3%. Mesmo assim, há relatos de quem tenha sentido na pele o “policiamen­to ostensivo” da vizinhança.

A estudante brasileira Julia Gomes, 23, diz que foi abordada duas vezes por uma moradora de seu prédio, na região de Cascais, incomodada com suas saídas diárias para correr nas imediações do edifício.

“Ela tocou a campainha e veio aqui reclamar, mas eu não fiz nada de errado. Saí sozinha e fiquei distante das outras pessoas. Acho que passou um pouco dos limites”, diz.

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Oli Scarff/AFP Britânico caminha em meio a lojas fechadas no norte da Inglaterra, que está em confinamen­to desde 23 de março

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