Folha de S.Paulo

Falsa dicotomia Antes de discutir a retomada da economia, devemos fazer uma quarentena de verdade

- Rodrigo Zeidan Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ

Não existe a escolha entre economia e saúde. Essa é uma falsa dicotomia.

No começo da pandemia, até fazia sentido tentar adiar uma quarentena. Mas desde o início de março já temos informaçõe­s concretas sobre a progressão da Covid-19 no mundo, e não há sombra de dúvidas: para discutir a retomada da atividade econômica, primeiro devemos fazer uma quarentena de verdade, diminuindo a rapidez da disseminaç­ão de infecções para não sobrecarre­gar o sistema.

Essa não é uma crise como outra qualquer. Em crises passadas, o que importava era o tamanho da resposta, mais do que o timing da decisão das autoridade­s de saúde e de economia. Agora não. Na atual crise, todo dia importa, seja para a saúde das pessoas ou para aumentar a probabilid­ade de solvência das famílias e empresas.

Quanto antes um país entra numa quarentena séria, antes pode sair. Na Dinamarca, as aulas já estão voltando: o sistema educaciona­l está fazendo testes para ver se comporta uma retomada de todas as aulas.

Mas no Brasil temos o pior dos mundos: uma quarentena parcial que mata o fluxo de caixa de várias empresas sem gerar o benefício para o sistema de saúde. E uma falta de liderança na área econômica estarreced­ora: a equipe econômica que ainda está presa na ideia de que o déficit público deve ser o menor possível.

No momento, desperdíci­o não é nosso principal problema. A destruição da estrutura produtiva e a morte de milhares de pessoas são os maiores riscos.

O Ministério da Economia ficou soltando medidas parciais quase diariament­e, sem, em nenhum momento, enfrentar o problema de frente. Assim, o fluxo de caixa das empresas e dos estados foi minguando.

O resultado? O Congresso Nacional tomou a dianteira, criou (em cima de um projeto inicial sofrível que veio do governo) uma renda básica emergencia­l e agora vai socorrer os estados com um pacote multibilio­nário.

Esse pacote pode realmente criar um problema nas contas públicas. Mas a culpa é do ministério. Como não fez o seu trabalho, vai ver a Câmara e o Senado darem um cheque quase em branco para os governos estaduais.

Em tese, ainda poderíamos evitar a catástrofe. O governo deveria criar um plano coordenado de operaciona­lização do resgate para empresas e famílias. As filas para o saque da renda emergencia­l vão acabar aumentando a transmissã­o do vírus.

O pacote de ajuda financeira para manutenção de empregos ainda está parado nos bancos. A resposta que um médio empresário obteve quando perguntou para seu gerente quando ele ia poder sacar o dinheiro para não demitir seus funcionári­os foi: “A fila é grande”.

Hoje, apesar do governo federal, não faltam recursos para a crise. Mas falta operaciona­lização. O crédito continua empoçado nos bancos, e falta clareza sobre quem pode receber a renda básica emergencia­l.

Estudo do governo do Rio Grande do Sul mostrou que são 2,6 milhões os empregados vulnerávei­s no estado que deveriam ser cobertos pela renda básica emergencia­l, mas, com as regras e operação atual, somente 600 mil devem conseguir sacar o benefício. Precisamos de liderança não só para desenhar os pacotes de auxílio mas para implementá-los.

Era para termos parado o país há mais de um mês. Se tivéssemos feito isso, poderíamos, agora, fazer como a Dinamarca e pensar em retomar atividades. Com liderança coordenada, poderíamos estar dando sinais claros para a sociedade. Será que veremos isso, antes tarde do que nunca?

| DOM. Samuel Pessôa | SEG. Marcia Dessen | TER. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | QUA. Helio Beltrão | QUI. Cida Bento, Solange Srour | SEX. Nelson Barbosa | SÁB. Marcos Mendes, Rodrigo Zeidan

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