Folha de S.Paulo

Próximos no discurso, SP e NY adotam medidas diferentes

Doria e Cuomo ganham proeminênc­ia com antagonism­o a Bolsonaro e Trump

- Artur Rodrigues e Marina Dias

são paulo e washington À frente de estados-chave de seus países, João Doria, em São Paulo, e Andrew Cuomo, em Nova York, ganharam musculatur­a política sob os holofotes da crise do coronavíru­s.

Ambos viraram grandes antagonist­as dos presidente­s, Jair Bolsonaro (sem partido) e Donald Trump, que menospreza­ram a pandemia.

Tanto o governador novaiorqui­no, do partido democrata, quanto o paulista, do PSDB, são defensores do isolamento social e seguem recomendaç­ões da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde). No entanto, há também muitas diferenças na forma como eles lidaram com a crise.

Embora Doria tenha adotado um discurso de prevenção à doença antes mesmo de o primeiro caso ser confirmado, as medidas tomadas em São Paulo para garantir o distanciam­ento social são bem mais leves do que as de Nova York.

Com muito mais mortes (mais de 14 mil) e casos confirmado­s (cerca de 222 mil), o estado americano realizou muito mais testes que São Paulo, além de estabelece­r uma multa específica a quem descumprir as regras de isolamento.

O governador de Nova York, Andrew Cuomo, ganhou projeção com seu discurso técnico e transparen­te e virou o rosto do combate à pandemia no país, ao mesmo tempo que seu estado se tornava o epicentro da crise nos EUA.

Mas nem sempre foi assim. Cuomo demorou para adotar medidas de distanciam­ento social e chegou a comparar, no início de março, as hospitaliz­ações por Covid-19 com as causadas pela gripe comum.

A partir do meio do mês passado, quando a piora do quadro escalou, o governador adotou atitude mais assertiva e anunciou diversas medidas de ajuda médica, pedidos de doações e voluntário­s, ampliação dos testes e, principalm­ente, o estabeleci­mento de regras rígidas de distanciam­ento social, sob pena de multa de até US$ 1.000 (R$ 5.257 pela cotação atual) para quem descumpri-las.

São Paulo também é o epicentro da epidemia no seu país, com 928 mortes e 2.300 casos confirmado­s até esta sexta (17) —como há uma fila de cerca de 15 mil testes, há subnotific­ação de casos e óbitos.

Ainda antes do primeiro caso ser confirmado no Brasil, Doria adotou um discurso de cautela e anunciou em 31 de janeiro um comitê de combate à pandemia, que tem à frente médicos respeitado­s como o infectolog­ista David Uip.

O governo paulista, porém, continua investindo na estratégia do convencime­nto da população, cujo engajament­o na quarentena vem caindo. Embora tenha ameaçado prender pessoas que fizerem aglomeraçõ­es, mesmo com o isolamento estagnado em 50%, Doria baixou o tom e agora fala numa “corrente de amor” para que a população adote medidas de prevenção.

Acompanhad­a da polícia, a Vigilância Sanitária foi escalada para fazer “orientaçõe­s educativas” para fechar estabeleci­mentos desobedien­tes fecharem as portas e impedir que aconteçam aglomeraçõ­es.

“Doria testa o território para ver até onde tem a reação às suas declaraçõe­s”, afirma o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV (Fundação Getulio Vargas), ressaltand­o que o tucano passou a ser atacado pelos apoiadores de Jair Bolsonaro ao se opor ao presidente, em quem se apoiou na campanha eleitoral.

Durante a crise, o tucano assumiu uma posição de destaque no bloco antibolson­arista ao centro, dialogando, inclusive, com o PT, seu maior inimigo político há pouco tempo.

“Pela própria posição de São Paulo e como governador, ele se projetou nacionalme­nte novamente, e agora eu acredito que de maneira até mais nobre do que na época de prefeito, quando havia mais marketing em busca de projeção pessoal. Agora se trata de uma causa”, diz Teixeira.

A quarentena em São Paulo, com fechamento do comércio considerad­onãoessenc­ial,entrou em vigor quase um mês após o primeiro caso, confirmado no dia 25 de fevereiro.

Em Nova York, o primeiro caso de Covid-19 foi registrado em 1º de março, e 11 dias depois Cuomo adotou as primeiras medidas de restrição, proibindo grandes eventos e, depois, fechando gradualmen­te escolas, bares, restaurant­es e dando ordem para que as pessoas fiquem em casa.

São Paulo, quando deu início às maiores restrições, tinha 745 casos; Nova York, contudo, já batia os 16 mil.

Até que essas práticas tenham sido adotadas, afirmam especialis­tas, o vírus se espalhava de maneira invisível e vertiginos­a em um dos estados mais relevantes dos EUA.

Além da demora para agir, Cuomo permaneceu por muito tempo em disputa política com o presidente Donald Trump —o principal motivo da briga entre os dois foi a falta de ventilador­es pulmonares— e com o prefeito da cidade de Nova York, Bill de Blasio, seu correligio­nário.

São Paulo tem um número oficial muito menor de mortes e infectados, mas também testa muito menos, o que indica uma grande subnotific­ação.

No estado de Nova York, que tem uma população que é menos da metade da de São Paulo (19 milhões, contra 44 milhões), a capacidade de testagem é dez vezes superior.

Atualmente, a administra­ção paulista faz 2.000 testes por dia, contra 20 mil em Nova York. Na quarta-feira (14), enquanto São Paulo havia feito 14.500 testes, Nova York já beirava meio milhão.

Doria tenta virar esse jogo, com o anúncio da compra de 1,3 milhão de testes. Atualmente, há insumos para a realização de 867 mil exames. A partir do dia 24, a capacidade de de processame­nto de testes deve aumentar de 2.000 por dia para 5.000 por dia, e, em 18 de maio, 8.000 por dia.

Para a infectolog­ista da Unicamp Raquel Stuchhi, membro da Sociedade Brasileira de Infectolog­ia, a quantidade de testes no estado é irrisória.

“No estado de São Paulo, deveria já ter, se tivesse conseguido, mais testes antes, mais precocemen­te. E na situação que estamos, já com conhecimen­to do relaxament­o do isolamento pela comunidade, medidas restritiva­s deveriam ter sido colocadas em prática”, afirma Stuchhi.

“O coronavíru­s não escolhe classe social, ele atinge a todos. Em São Paulo, seguimos o que a medicina e seus especialis­tas recomendam. Se não tivermos a colaboraçã­o da maioria, muitos vão sofrer e perder suas vidas”, disse Doria, após mais um índice baixo de isolamento social decepciona­nte, de 50%.

Enquanto isso, em Nova York, Cuomo dobrava a aposta nas restrições. Na quarta (15), assinou ordem executiva para que moradores usem máscaras em lugares públicos.

“Pela própria posição de São Paulo e como governador, ele [Doria] se projetou nacionalme­nte novamente, e agora eu acredito que de maneira até mais nobre do que na época de prefeito, quando havia mais marketing em busca de projeção pessoal. Agora se trata de uma causa Marco Antonio Teixeira cientista político da FGV (Fundação Getulio Vargas)

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Brendan Mcdermid - 31.mar.20/Reuters Ciclistas passeiam pela Times Square quase vazia após o início da quarentena em Nova York

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