Luís, 65, saiu de Taiwan para comandar a Disney das comidas orientais em São Paulo
são paulo Toda manhã, às 8h, seu Luís abria o mercado Towa, na praça da Liberdade. Não é um mercadinho comum. Luís, como os brasileiros conheciam o taiwanês Chang Wu Chen, administrava uma espécie de Disneylândia das culinárias do Oriente.
As prateleiras expõem ingredientes raros da China, do Japão, da Tailândia, da Coreia e do Vietnã. São cerca de 3.000 produtos: dezenas de tipos de macarrão, bebidas, salgadinhos, balas, cogumelos doidos e itens indecifráveis para quem não é letrado em cantonês e mandarim.
Um glutão curioso como eu é capaz de passar uma hora ou mais examinando cada rótulo, cada embalagem das coisas à venda no mercado.
Luís queria mesmo era ser ator de cinema. Mas seu pai não queria. Como ocorre nas famílias tradicionais, o filho se curvou à vontade do pai. Foi para a faculdade e, com um diploma de turismo no bolso, emigrou para o Brasil em 1981. Seus irmãos mais velhos já moravam em SP.
Foi do irmão Roberto (Chang Wu Chang, se preferir) que Luís recebeu a mercearia, nos anos 1980. Em 1992, transferiu-a para um imóvel maior, na praça da Liberdade. Hoje, além de loja, a Towa é importadora e distribuidora.
Antes da crise econômica, o mercado oferecia preciosidades como o ninho de andorinha (que a ave constrói com saliva), o abalone (molusco que parece uma vieira gigante) e as barbatanas de tubarão —coisas que só a elite da comunidade sino-brasileira tinha condições de comprar.
Mas seu Luís não queria vender só para orientais. Ele se tornou o principal fornecedor de chefs e empreendedores brasileiros que se aventuraram por culinárias pouco conhecidas nestas bandas.
“Vou ao Towa toda semana comprar pasta de tamarindo, molho de peixe, papel de arroz”, conta Daniela Borges, do restaurante vietnamita Bia Hoi. “Sem ele, não teria o que servir aos meus clientes.”
Há cerca de dez anos, seu Luís começou a delegar o negócio aos filhos Johnny, 34, e Jonathan Chang, 31, diplomados em faculdades dos EUA. “Ele abria a loja, recebia fornecedores, fiscalizava a reposição e atendia os clientes até a hora do almoço”, conta Jonathan. “Depois ia descansar.”
Seu Luís começou a pegar gosto por viajar. Sua última escapada de São Paulo aconteceu em meados de março.
Ele e a mulher, Lee Hsiu O Chang, passaram uma semana na Bahia. Ao voltar, o casal se isolou em quarentena. “Como estiveram no aeroporto, achamos melhor que ficassem em casa”, diz Jonathan.
Luís, 65, aparentava cansaço. Vieram a febre alta e a falta de ar. Aos ser internado, seu quadro se agravou. Chang Wu Chen, que não fumava nem bebia, morreu de complicações respiratórias relacionadas à Covid-19 em 3 de abril.
O velório, com caixão fechado, durou meia hora e teve cinco familiares. Outros parentes e amigos o acompanharam por uma live.