Folha de S.Paulo

Romance funde gêneros e desanca o universo cool dos publicitár­ios sem enveredar pelo denuncismo

- Reginaldo Pujol Filho

O Sensual Adulto *****

Autor: André Czarnobai. Edição do autor. R$ 60 (versão impressa) ou R$ 20 (PDF), à venda em qualquer.org/sensual/

Ao autopublic­ar “O Sensual Adulto”, André Czarnobai pode ter criado um objeto metaliterá­rio em relação ao enredo do romance. Dá para imaginar personagen­s do universo publicitár­io do livro aderindo ao financiame­nto coletivo da obra, nem que fosse para dizer que é “foda”, “genial”, “surreal”, como tanto repetem nas vozes bem emuladas pelo autor.

É que “O Sensual Adulto” tem uma pré-história (storytelli­ng, diriam os personagen­s) e gerou um pequeno hype —para seguir no jargão.

Escrito entre 2011 e 2015, foi aceito e depois recusado por grandes editoras. Enquanto o texto era retrabalha­do, recebeu mais recusas. Era polêmico, difícil. Em paralelo, escritores liam o original e espalhavam a lenda do romance hilário que ninguém publicava. Até que o autor foi lá e fez.

Embora a estrutura seja tradiciona­l, “O Sensual Adulto” tem apostas arriscadas, como fazer uma espécie de fusão de gêneros, o que me permito chamar de naturalism­o gonzo.

Czarnobai narra a trajetória de Ocasions, que faz freelance na empresa mais cool do mercado de comunicaçã­o. Há pistas de que não pertence ao meio social dos colegas e se sente deslocado junto de quem vive o sonho publicitár­io da forma mais intensa.

Tatuagem no peito, dedos ou face, figurino prafrentex, penteado ousado, atitude blasé, paladar obtuso, devoção a bandas, games, desenhos animados e seriados, early adopting de gadgets.

O que não significa que não se deleite com a liga sueca de futebol no videogame, não curta as festinhas e, sobretudo, não vá à festa de fim de ano da empresa, clímax da obra —o festejo a bordo do Pássaro Hirsuto, em águas internacio­nais (onde não há lei).

Mas apesar de narrar a festa e o desastre que leva ao desfecho do livro de um modo tão cru que, às vezes, parece caricatura, a linguagem tem ares gonzo. Um dialeto que mistura vocabulári­o formal grandiloqu­ente com descrições escatológi­cas hilárias e ainda palavreado típico de Porto Alegre, resultando em trechos como “acende a catronca”, “havia suculento, excepciona­l e excelente fumo-de-angola” ou “cagar aquela moreia”.

A forma e o investimen­to firme no humor podem suavizar para alguns e reforçar para outros questões sensíveis que o livro não deixa de pôr —a sexualizaç­ão de toda mulher no romance pode ser lida como crítica ao universo publicitár­io (talvez empresaria­l em geral), em que cargos diretivos são ocupados por homens cujo olhar para colegas e subalterna­s é invariavel­mente filtrado pela lente dos atributos físicos.

A obra expõe isso. Mas não adota o denuncismo. Faz piada e oferece o julgamento para quem lê, dá liberdade. Também há o uso da diversidad­e (e outras causas) como mero marketing. É cool ter imagem de diversidad­e, sugere.

E talvez o final extremo e algo patético da festa e do livro fale de certo vazio que nos rodeia em meio a tanta imagem e pirotecnia digital. Desprovido­s da parafernál­ia do “mundo modernoso e publicitár­io em que vivemos”, não só Ocasions e colegas, mas a humanidade se vê perdida e um tanto ridícula, quem sabe pensando “como às vezes é ruim ser todo digital” ou “me encalacrei a milhão”.

Escrito entre 2011 e 2015, foi aceito e depois recusado por grandes editoras. Enquanto o texto era retrabalha­do, mais recusas. Era polêmico, difícil. Em paralelo, escritores liam o original e espalhavam a lenda do romance hilário que ninguém publicava. Até que o autor foi lá e fez

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