Acervo digital da Biblioteca Nacional está aberto online
Instituição passou a fazer seleção de uma parte de sua coleção para publicar nas redes sociais durante a quarentena
são paulo Há sete décadas, a tradição carioca de tomar mate gelado na praia ganhava um impulso com uma entrevista do então técnico da seleção brasileira, Flávio Costa, ao Anuário Esportivo Brasileiro.
“É conhecida sua ação como hidrante, sobremodo preciosa no football, em que, não raro após a peleja, certos jogadores apresentam perda de dois até três quilos”, declarou Costa, num golpe de marketing para as empresas produtoras da erva no Sul do país, que buscavam emplacar o hábito na então capital da República.
No momento em que a população do Rio de Janeiro está privada do esporte e do consumo da bebida na areia, o acesso a esse material histórico pode oferecer um pequeno alento.
É a aposta da Biblioteca Nacional, que passou a publicar uma seleção de seu acervo digital nas redes sociais desde o início da quarentena provocada pelo novo coronavírus.
Com 2 milhões dos 8 milhões de itens de seu acervo disponíveis na internet, a instituição montou uma equipe para garimpar material de interesse agora exibido em textos com linguagem informal postados em suas contas no Twitter, no Facebook e no Instagram.
“Temos um tesouro da memória bibliográfica e iconográfica brasileira, que precisa ser acessado pelo público em geral, não só por pesquisadores”, diz o presidente da instituição, Rafael Nogueira.
No material há jornais, revistas, fotografias, gravuras e documentos em geral. Todo ele está aberto online, mas o acesso acabava muitas vezes ficando restrito a estudiosos.
A ideia é que as redes sociais sejam a porta de entrada a esse acervo, com posts que levam diretamente aos documentos no site da biblioteca.
Funcionários vasculham material da instituição, identificam itens com potencial de leitura e escrevem textos em linguagem informal. Uma equipe de cinco pessoas adapta para as redes sociais.
Material que tenha relação com fatos do momento têm prioridade. Veio daí a ideia de falar sobre o futebol e o mate, aproveitando o momento em que o cidadão do Rio está saudosista de elementos tão importantes de sua rotina.
Inevitavelmente, material relacionado a outras crises de saúde pública tem ganhado destaque, como no caso da Revolta da Vacina, contra medidas saneadoras conduzidas pelo médico Oswaldo Cruz.
Um dos itens é um exemplar da revista O Malho, de 1904. Numa página, uma imensa caricatura mostra Cruz sentado numa charrete puxada por dois porcos, com chicote numa mão e uma enorme seringa na outra. No bagageiro, a figura de um homem inerte, representando Zé Povo.
Segundo o presidente do órgão, a audiência da Biblioteca Nacional digital já cresceu com a inovação. Foram 7,9 milhões de acessos em março, contra 6,85 milhões antes.
O projeto deve se tornar permanente. “A consulta digital ao acervo é importante também para preservar ao máximo o material físico, que é muito frágil”, afirma.
Com cerca de 600 servidores, a biblioteca está fechada durante a pandemia, apenas com serviços de segurança, manutenção e proteção contra incêndios funcionando.
O comando da instituição por enquanto foi preservado, em meio à troca de titular da Secretaria da Cultura, agora a cargo da atriz Regina Duarte.
Professor de história conservador, Nogueira é ligado a Olavo de Carvalho, mas tem procurado se manter afastado do tiroteio entre o filósofo e a nova secretária. Carvalho reclamou publicamente do fato de Regina ter nomeado alguns assessores com um passado esquerdista.
Ele planeja duas exposições físicas para o pós-quarentena.
Uma marcada para julho, sobre dona Maria 1ª, que fugiu com a família real de Portugal para o Rio em 1808, será caracterizada como “a primeira rainha do Brasil”, e não “a rainha louca”, como passou para a história. Outra em setembro celebrará os 250 anos do nascimento do compositor alemão Beethoven.