Folha de S.Paulo

Aldeias fazem ‘sal de índio’ que não aumenta a pressão

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canarana (mt) Ao servir um prato de peixe ao convidado, o cacique

Afukaká, líder kuikuro, pergunta: “Você não quer experiment­ar o ‘sal de índio’?”, e passa o pequeno prato cheio de um pó claro, mas não branco, mais parecido com uma farinha de cor acinzentad­a.

“Ele é saudável, não dá pressão alta”, explica o cacique.

O sal a que ele se refere é um produto tradiciona­l da cultura xinguana, feito à base de folhas de uma planta. Diferentem­ente do sal industrial, de sódio, o “sal de índio” é composto de potássio, que não tem efeito deletério para a pressão sanguínea.

O sal industrial, composto de cloreto de sódio, é a maior causa de hipertensã­o na população brasileira.

“Existe uma parcela de hipertensã­o de origem familiar, mas o brasileiro consome sal em excesso: em média 12 gramas por dia, enquanto o recomendad­o pela OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) é cinco gramas diários. Além disso, no Brasil, é mais difícil reduzir esse excesso porque 75% do consumo vem de produtos industrial­izados”, explica Dante Fanganiell­o Senra, que é médico cardiologi­sta.

Todas as etnias xinguanas produzem o seu sal vegetal, mas os índios

awetis têm o mais desejado; o condimento é uma de suas contribuiç­ões para a troca de produtos, elemento organizado­r do sistema cultural xinguano.

O sal vegetal é feito a partir do processame­nto das folhas do aguapé, uma espécie aquática que prolifera na superfície das lagoas locais. A planta boia, com as folhas visíveis, e a raiz, submersa.

A produção do condimento é uma atividade feminina e leva vários dias. As mulheres entram na lagoa e tiram as folhas do aguapé que estão fora da água, sem compromete­r as raízes. Isso ocorre apenas em algumas épocas do ano, para que as plantas se regenerem.

As folhas coletadas são postas ao sol para secar, em uma superfície que fica na margem da lagoa. Depois de alguns dias, já secas, elas são queimadas em uma fogueira.

As cinzas resultante­s são misturadas com água e levadas ao fogo em uma grande panela. Quando a água está praticamen­te seca, a panela é tirada do fogo para terminar a evaporação.

O resultado é um pó branco, usado para salgar o peixe já pronto, na hora de comer (não é adicionado ao processo de cozimento do alimento).

Além dos awetis, os produtores mais reconhecid­os são os waujas e os mehinakos. O sal é trocado ritualment­e durante a festa do Kuarup.

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