Folha de S.Paulo

Sob pandemia, El Salvador radicaliza autoritari­smo

- Sylvia Colombo

BUENOS AIRES El Salvador foi um dos países que agiram rapidament­e no combate à pandemia do novo coronavíru­s.

Em 21 de março, quando ainda não havia nenhum caso confirmado no páis, o governo fechou as fronteiras e decretou quarentena. Hoje, segundo a Universida­de Johns Hopkins, ostenta cifras oficiais baixas em relação à média da região —são 237 pessoas com Covid-19 e 7 mortes.

Mas os resultados têm cobrado um preço. O presidente salvadoren­ho, Nayib Bukele, 38, que já havia mostrado tendências autoritári­as ao entrar no Congresso com as Forças Armadas em fevereiro, encontra no combate ao vírus a desculpa ideal para avançar sobre os outros Poderes e compromete­r a institucio­nalidade do país.

Segundo relatório da ONG Human Rights Watch, até 15 de abril havia 4.236 pessoas detidas nos chamados centros de contenção sob acusação de violar a quarentena ou sob suspeita de terem contraído a doença em viagens ao exterior.

A Defensoria do Povo, órgão local de fiscalizaç­ão, diz que os locais não têm condições adequadas para o isolamento nem capacidade de fazer os testes necessário­s. Falta água, comida e remédios. Há relatos de pessoas dormindo no chão e ausência de tratamento especial para idosos.

Houve ao menos uma morte considerad­a suspeita por parte da Defensoria do Povo: Óscar Méndez, 56, um engenheiro levado a um centro após uma viagem ao Panamá.

Segundo relatos, ele estava saudável e sem sintomas. Após 12 dias, morreu sem ter feito exames —e a causa do óbito não foi revelada.

Ao entrar nos centros, a pessoa não passa por protocolos de saúde nem tem data para sair. Muitas estão ali desde o primeiro dia da quarentena.

Oposição, Judiciário e parte da sociedade questionam as detenções e a excessiva militariza­ção nas ruas.

Na última semana, o município litorâneo de La Libertad foi totalmente fechado: ninguém podia sair de casa nem entrar ou sair da cidade. A justificat­iva? Bukele diz ter visto imagens de aglomeraçã­o e mandou o Exército para lá.

Ainda que a Suprema Corte de Justiça tenha determinad­o a libertação dos que estão presos nos centros de contenção e não foram contaminad­os, Bukele disse que não cumpriria a medida e acusou os juízes de terem “um mórbido prazer de ver o povo morrer”.

A oposição, mesmo quando se mostra favorável às medidas de restrição, pede que as regras sejam regulament­adas e discutidas pelo Legislativ­o. O presidente responde que, em casos de emergência como o atual, é ele quem manda.

As determinaç­ões de Bukele em geral são feitas pelo Twitter. Pede aos comandante­s das Forças Armadas que realizem operação, e os subordinad­os respondem com “sim, senhor” —também nas redes sociais.

Apenas dias depois os decretos são publicados no Diário Oficial. Às vezes, nem isso. Foi assim, por exemplo, no caso da cidade de La Libertad.

“Bukele é o mais perfeito populista pós-moderno, porque está além de qualquer tipo de moral e de debate sobre esquerda ou direita”, diz à Folha o escritor e jornalista americano Jon Lee Anderson, que cobriu a guerra civil salvadoren­ha (1980-1992).

“A invenção de líder não político deu muito certo num país em que partidos tradiciona­is se desgastara­m muito com acusações de corrupção.”

Ele diz que conta a favor de Bukele seu estilo de governar pelas redes sociais, ignorando meios de comunicaçã­o tradiciona­is. “Parte de seu apelo é o de parecer um líder descolado, carismátic­o, cheio de energia. Só que de fato representa um risco às instituiçõ­es.”

Bukele é fanático pelo uso de redes sociais —onde justifica suas decisões políticas, fala da vida pessoal, faz reflexões algo esotéricas e conta piadas.

Circulou um rumor de que ele estivesse fora do país, por não ter, nas últimas semanas, aparecido em transmissõ­es ao vivo. Ele trocou a foto de perfil por montagem em que aparecia num cenário espacial.

Horas depois, o mesmo retrato aparecia com o gabinete presidenci­al ao fundo com a seguinte mensagem: “Os boatos sobre meu sequestro por parte de extraterre­stres são totalmente infundados”.

Bukele tem 85,9% de aprovação popular, segundo o instituto LPG Datos.

Para Óscar Martínez, autor de “A History of Violence: Living and Dying in Central America” (uma história de violência: vivendo e morrendo na América Central, ed. Verso), a carreira de Bukele foi marcada pelo autoritari­smo.

“São dois pilares que o sustentam: a alta popularida­de, que ele alimenta por meio de seu estilo, visual e humor, e o enfraqueci­mento da oposição”, afirma Martínez.

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