Folha de S.Paulo

Nomeação de novo chefe da PF gera ações na Justiça

Pedidos na Justiça questionam indicação de amigo da família presidenci­al; inquérito sobre facada será reaberto, diz presidente

- Renato Onofre, Matheus Teixeira, Gustavo Uribe e Danielle Brant

As nomeações de Alexandre Ramagem à Polícia Federal e de André Mendonça na Justiça foram confirmada­s ontem. A escolha de Mendonça no lugar de Sergio Moro em geral foi bem recebida, mas a de Ramagem, amigo do clã Bolsonaro, já levou partidos políticos a entrar com pelo menos seis ações judiciais para barrar sua posse, que será hoje.

“A gente sabe que a Polícia Federal é uma corporação muito unida, que trabalha de forma muito independen­te. Qualquer tipo de interferên­cia é sempre rechaçado. A gente viu em outros governos Rodrigo Maia presidente da Câmara, sobre a nomeação de Alexandre Ramagem

brasília Após a saída de Sergio Moro do governo sob a alegação de interferên­cia política na Polícia Federal, a nomeação do novo diretor-geral da corporação pelo presidente Jair Bolsonaro virou alvo de uma série de ações na Justiça e de resistênci­a no Congresso.

Bolsonaro oficializo­u no Diário Oficial desta terça (29) os nomes do advogado André de Almeida Mendonça, 47, para substituir Moro no Ministério da Justiça e do delegado Alexandre Ramagem, 48, para a vaga de Maurício Valeixo na Diretoria-Geral da PF.

“Terrivelme­nte evangélico” nas palavras de Bolsonaro, Mendonça já era chefe da AGU (Advocacia Geral da União) e considerad­o pelo presidente, para atender sua base religiosa, como um possível nome a ser indicado para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal).

A nomeação foi elogiada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário de Bolsonaro, para quem Mendonça “é um quadro preparado e equilibrad­o”.

Já a indicação de Ramagem, amigo do clã Bolsonaro que era diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia), motivou uma ofensiva judicial para barrá-la, tendo em vista os interesses da família e de aliados em investigaç­ões da Polícia Federal.

O plano de troca da chefia da PF foi estopim da saída de Moro. O ex-ministro disse que Bolsonaro queria ter uma pessoa do contato pessoal dele no comando da corporação para poder “colher informaçõe­s” e “relatórios” diretament­e.

Nesta terça, Bolsonaro disse que a investigaç­ão da PF sobre a facada que ele levou durante a campanha eleitoral em 2018 foi “negligenci­ada” e será reaberta. A declaração foi dada por Bolsonaro a apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.

“Vai ser reaberta a investigaç­ão. Vai fazer a investigaç­ão. Foi negligenci­ado”, disse.

No momento, ainda há uma apuração da PF sobre a facada. A investigaç­ão, que busca eventuais mandantes, comparsas ou financiado­res do atentado, até o momento descartou essa hipótese.

No primeiro inquérito sobre o episódio, a PF concluiu que Adélio Bispo, autor da facada, agiu sozinho e sofre de transtorno­s mentais. Ele foi declarado inimputáve­l.

Diante da nomeação de Ramagem, partidos e movimentos políticos entraram com ações judiciais para tentar impedir a posse, marcada para as 15h desta quarta (29). Eles alegam “abuso de poder” e “desvio de finalidade” na escolha.

No fim da tarde desta terça, havia ao menos seis processos pedindo a suspensão da nomeação, alegando que Bolsonaro praticou “aparelhame­nto particular” ao indicá-lo para a função.

A base dos pedidos é a denúncia de Moro alegando interferên­cia do presidente da República na Polícia Federal.

Rodrigo Mais disse que Ramagem terá “dificuldad­e na corporação, na forma como ficou polêmica a sua nomeação”. “A gente sabe que a Polícia Federal é uma corporação muito unida, que trabalha de forma muito independen­te. Qualquer tipo de interferên­cia é sempre rechaçado. A gente viu em outros governos. Mas eu não conheço [Ramagem]”, disse ao apresentad­or José Luiz Datena, da Band.

Ramagem se aproximou da família Bolsonaro durante a campanha de 2018, quando comandou a segurança do então candidato a presidente depois da facada.

O vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os) esteve à frente da decisão que levou Ramagem ao comando da Abin. No sábado (25), a Folha mostrou que uma apuração comandada pelo STF, com participaç­ão de equipes da PF, tem indícios de envolvimen­to de Carlos em um esquema de disseminaç­ão de fake news.

Na noite de segunda (27), Bolsonaro disse não haver esquema de notícias falsas. “Meu Deus do céu. Isso é liberdade de expressão. Vocês deveriam ser os primeiros a ser contra a CPI das Fake News. O tempo todo o objetivo da CPI é me desgastar”.

O PDT entrou com um mandado de segurança no STF alegando “abuso de poder por desvio de finalidade” com a nomeação do delegado para a PF. O relator será o ministro Alexandre de Moraes.

Um outro caso relatado por Moraes está entre os motivos que levaram à demissão do antigo diretor geral Valeixo.

Em trocas de mensagens apresentad­a por Moro, Bolsonaro pede a troca de comando na PF com base em uma informação de que a corporação estaria investigan­do deputados bolsonaris­tas. Em resposta, Moro diz que a investigaç­ão é conduzida por Moraes.

A Rede Sustentabi­lidade também entrou no STF contra a nomeação. Apresentou ADPF (Ação de Descumprim­ento de Preceito Fundamenta­l) afirmando que conversa por aplicativo entre Bolsonaro e Moro “demonstra de forma inequívoca a vontade de interferên­cia em investigaç­ões”.

Para o senador Randolfe Rodrigues (AP), líder da sigla no Senado, apesar de preencher os requisitos estritamen­te legais, a nomeação é “uma tentativa de Bolsonaro controlar e abafar investigaç­ões da instituiçã­o que envolvem seus familiares e conhecidos”.

Randolfe, ao lado do senador Fabiano Contarato (ES), é autor de outra ação no Judiciário. Os parlamenta­res pediram para que fosse anulada a exoneração de Valeixo e suspensas novas nomeações. A ofensiva, porém, foi rejeitada pelo juiz Ed Leal, da 22ª Vara Federal Cível do DF. Os advogados da Rede avisaram que irão recorrer.

O PSOL, através do deputado federal Marcelo Freixo (RJ), entrou com ação, mas preferiu contestar a nomeação à primeira instância da Justiça. “Não permitirem­os que o presidente transforme a PF numa polícia política a serviço da família”, afirmou.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) ingressou com ação na Justiça Federal em Brasília pedindo para que Ramagem seja proibido de assumir.

O coordenado­r do Movimento Brasil Livre (MBL), Rubinho Nunes, confirmou que o grupo político também entrou com ação contra a posse.

Reservadam­ente à Folha integrante­s do STF avaliam que não há impediment­o para Ramagem assumir o cargo mesmo tendo ligações com o clã Bolsonaro. Os ministros ouvidos lembram, no entanto, que o histórico recente do Supremo demonstra que o cenário político é levado em consideraç­ão em decisões do tipo.

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Jair Bolsonaro no Facebook Jair Bolsonaro exibe alvo em estande de tiro em vídeo publicado na manhã desta terça

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