Nomeação de novo chefe da PF gera ações na Justiça
Pedidos na Justiça questionam indicação de amigo da família presidencial; inquérito sobre facada será reaberto, diz presidente
As nomeações de Alexandre Ramagem à Polícia Federal e de André Mendonça na Justiça foram confirmadas ontem. A escolha de Mendonça no lugar de Sergio Moro em geral foi bem recebida, mas a de Ramagem, amigo do clã Bolsonaro, já levou partidos políticos a entrar com pelo menos seis ações judiciais para barrar sua posse, que será hoje.
“A gente sabe que a Polícia Federal é uma corporação muito unida, que trabalha de forma muito independente. Qualquer tipo de interferência é sempre rechaçado. A gente viu em outros governos Rodrigo Maia presidente da Câmara, sobre a nomeação de Alexandre Ramagem
brasília Após a saída de Sergio Moro do governo sob a alegação de interferência política na Polícia Federal, a nomeação do novo diretor-geral da corporação pelo presidente Jair Bolsonaro virou alvo de uma série de ações na Justiça e de resistência no Congresso.
Bolsonaro oficializou no Diário Oficial desta terça (29) os nomes do advogado André de Almeida Mendonça, 47, para substituir Moro no Ministério da Justiça e do delegado Alexandre Ramagem, 48, para a vaga de Maurício Valeixo na Diretoria-Geral da PF.
“Terrivelmente evangélico” nas palavras de Bolsonaro, Mendonça já era chefe da AGU (Advocacia Geral da União) e considerado pelo presidente, para atender sua base religiosa, como um possível nome a ser indicado para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal).
A nomeação foi elogiada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário de Bolsonaro, para quem Mendonça “é um quadro preparado e equilibrado”.
Já a indicação de Ramagem, amigo do clã Bolsonaro que era diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), motivou uma ofensiva judicial para barrá-la, tendo em vista os interesses da família e de aliados em investigações da Polícia Federal.
O plano de troca da chefia da PF foi estopim da saída de Moro. O ex-ministro disse que Bolsonaro queria ter uma pessoa do contato pessoal dele no comando da corporação para poder “colher informações” e “relatórios” diretamente.
Nesta terça, Bolsonaro disse que a investigação da PF sobre a facada que ele levou durante a campanha eleitoral em 2018 foi “negligenciada” e será reaberta. A declaração foi dada por Bolsonaro a apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.
“Vai ser reaberta a investigação. Vai fazer a investigação. Foi negligenciado”, disse.
No momento, ainda há uma apuração da PF sobre a facada. A investigação, que busca eventuais mandantes, comparsas ou financiadores do atentado, até o momento descartou essa hipótese.
No primeiro inquérito sobre o episódio, a PF concluiu que Adélio Bispo, autor da facada, agiu sozinho e sofre de transtornos mentais. Ele foi declarado inimputável.
Diante da nomeação de Ramagem, partidos e movimentos políticos entraram com ações judiciais para tentar impedir a posse, marcada para as 15h desta quarta (29). Eles alegam “abuso de poder” e “desvio de finalidade” na escolha.
No fim da tarde desta terça, havia ao menos seis processos pedindo a suspensão da nomeação, alegando que Bolsonaro praticou “aparelhamento particular” ao indicá-lo para a função.
A base dos pedidos é a denúncia de Moro alegando interferência do presidente da República na Polícia Federal.
Rodrigo Mais disse que Ramagem terá “dificuldade na corporação, na forma como ficou polêmica a sua nomeação”. “A gente sabe que a Polícia Federal é uma corporação muito unida, que trabalha de forma muito independente. Qualquer tipo de interferência é sempre rechaçado. A gente viu em outros governos. Mas eu não conheço [Ramagem]”, disse ao apresentador José Luiz Datena, da Band.
Ramagem se aproximou da família Bolsonaro durante a campanha de 2018, quando comandou a segurança do então candidato a presidente depois da facada.
O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) esteve à frente da decisão que levou Ramagem ao comando da Abin. No sábado (25), a Folha mostrou que uma apuração comandada pelo STF, com participação de equipes da PF, tem indícios de envolvimento de Carlos em um esquema de disseminação de fake news.
Na noite de segunda (27), Bolsonaro disse não haver esquema de notícias falsas. “Meu Deus do céu. Isso é liberdade de expressão. Vocês deveriam ser os primeiros a ser contra a CPI das Fake News. O tempo todo o objetivo da CPI é me desgastar”.
O PDT entrou com um mandado de segurança no STF alegando “abuso de poder por desvio de finalidade” com a nomeação do delegado para a PF. O relator será o ministro Alexandre de Moraes.
Um outro caso relatado por Moraes está entre os motivos que levaram à demissão do antigo diretor geral Valeixo.
Em trocas de mensagens apresentada por Moro, Bolsonaro pede a troca de comando na PF com base em uma informação de que a corporação estaria investigando deputados bolsonaristas. Em resposta, Moro diz que a investigação é conduzida por Moraes.
A Rede Sustentabilidade também entrou no STF contra a nomeação. Apresentou ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) afirmando que conversa por aplicativo entre Bolsonaro e Moro “demonstra de forma inequívoca a vontade de interferência em investigações”.
Para o senador Randolfe Rodrigues (AP), líder da sigla no Senado, apesar de preencher os requisitos estritamente legais, a nomeação é “uma tentativa de Bolsonaro controlar e abafar investigações da instituição que envolvem seus familiares e conhecidos”.
Randolfe, ao lado do senador Fabiano Contarato (ES), é autor de outra ação no Judiciário. Os parlamentares pediram para que fosse anulada a exoneração de Valeixo e suspensas novas nomeações. A ofensiva, porém, foi rejeitada pelo juiz Ed Leal, da 22ª Vara Federal Cível do DF. Os advogados da Rede avisaram que irão recorrer.
O PSOL, através do deputado federal Marcelo Freixo (RJ), entrou com ação, mas preferiu contestar a nomeação à primeira instância da Justiça. “Não permitiremos que o presidente transforme a PF numa polícia política a serviço da família”, afirmou.
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) ingressou com ação na Justiça Federal em Brasília pedindo para que Ramagem seja proibido de assumir.
O coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL), Rubinho Nunes, confirmou que o grupo político também entrou com ação contra a posse.
Reservadamente à Folha integrantes do STF avaliam que não há impedimento para Ramagem assumir o cargo mesmo tendo ligações com o clã Bolsonaro. Os ministros ouvidos lembram, no entanto, que o histórico recente do Supremo demonstra que o cenário político é levado em consideração em decisões do tipo.