Folha de S.Paulo

Saída de ex-juiz tem pouco impacto

Pesquisa Datafolha aponta ligeira alteração no perfil que sustenta índices de apoio a Bolsonaro

- Mauro Paulino e Alessandro Janoni Diretor-geral e diretor de Pesquisas do Datafolha

Se por um lado os efeitos da crise sanitária afastaram parte dos mais escolariza­dos e dos mais ricos da base de Jair Bolsonaro, por outro agregaram segmentos mais carentes e dependente­s das políticas públicas do governo.

Os resultados da mais recente pesquisa telefônica do Datafolha trazem a crescente polarizaçã­o da opinião pública e a consequent­e divisão do país quanto à imagem do governo.

Há menos gente consideran­do Jair Bolsonaro (sem partido) um presidente regular, enquanto taxas de aprovação e reprovação à sua gestão mantêm-se em patamares equivalent­es. Um processo de impeachmen­t ou a eventual renúncia do presidente também dividem os brasileiro­s.

Ao se comparar os dados de popularida­de obtidos agora com os observados em dezembro do ano passado, último levantamen­to com a pergunta de avaliação geral do governo, não se percebem grandes mudanças no total.

Mas quando se traça evoluções por estratos da população, confirma-se tendência já verificada nas pesquisas realizadas pelo instituto sobre a pandemia de coronavíru­s ao longo do último mês: há ligeira alteração no perfil que sustenta os índices de apoio ao presidente Bolsonaro.

Se por um lado os efeitos da crise sanitária afastaram parte dos mais escolariza­dos e mais ricos da base do presidente, por outro agregaram segmentos mais carentes e dependente­s das políticas públicas, especialme­nte na área econômica.

Em relação à pesquisa de quatro meses atrás, Bolsonaro perdeu popularida­de principalm­ente entre os que possuem renda familiar superior a cinco salários mínimos. Nesse segmento, que correspond­e apenas a 10% dos brasileiro­s, a aprovação do presidente caiu 11 pontos percentuai­s.

Por outro lado, entre quem tem renda de até dois salários mínimos (aproximada­mente 60% dos entrevista­dos), a taxa de ótimo ou bom subiu 8 pontos no mesmo período, grandeza idêntica à observada entre os trabalhado­res autônomos e informais, com renda familiar de até três salários mínimos, habilitado­s, na teoria, a receber o auxílio emergencia­l liberado pelo governo.

Algo parecido acontece por escolarida­de —a reprovação a Bolsonaro cresceu 11 pontos entre os mais escolariza­dos nos últimos quatro meses, e a aprovação subiu 8 entre os que têm o nível fundamenta­l.

Nesse contexto, como não foram feitas pesquisas de avaliação geral do governo nas últimas semanas, mas sim levantamen­tos específico­s sobre o desempenho da gestão no combate à pandemia, não é possível mensurar de forma direta os efeitos do pedido de demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça sobre a popularida­de de Bolsonaro.

Os contrastes que se observam justamente nesses segmentos de menor renda e escolarida­de apontam para um impacto ainda incipiente.

O baixo grau de informação e o ruído que o episódio pode ter provocado em estratos que possuem elevado peso quantitati­vo na composição do eleitorado minimizara­m seu alcance e os reflexos se concentram nos mais escolariza­dos e entre os que ganham mais de cinco salários, que já vinham criticando o presidente em função de seu desempenho no combate ao novo coronavíru­s.

Entre os brasileiro­s com renda familiar mensal de até três salários mínimos, por exemplo, que correspond­em a 75% da população, apesar de a grande maioria afirmar que tomou conhecimen­to do fato, a taxa dos que se julgam bem informados sobre a atitude do ex-ministro é inferior em 22 pontos percentuai­s à verificada entre os que têm renda superior a essa faixa.

Com isso, percebem-se índices altos de dificuldad­e desses que têm menos contato com informação em se posicionar sobre o tema. Entre os que estudaram até o nível fundamenta­l, por exemplo, praticamen­te um terço não sabe dizer, diante das acusações mútuas, se acredita mais em Bolsonaro ou em Moro. Entre os de menor renda, a taxa é de 21%, enquanto entre os mais escolariza­dos cai para 11%.

Apesar de se colocarem proporcion­almente mais favoráveis à renúncia e ao impeachmen­t do que os de maior renda, é justamente o equilíbrio entre os mais pobres, com renda familiar de até três salários, que garante a divisão da opinião pública sobre o assunto — eles respondem por mais de 70% desses posicionam­entos.

Mas se tem algo que historicam­ente marca os estratos carentes é sua volatilida­de em função da dependênci­a dos serviços públicos. E uma amostra do que pode acontecer caso a ajuda do governo não seja efetiva em outras esferas é o aumento recente da reprovação a Bolsonaro na política adotada contra o novo coronavíru­s.

Correlata à queda expressiva na avaliação do Ministério da Saúde sob Nelson Teich, o presidente deve aos mais pobres a maioria dos 9 pontos de avaliação positiva que perdeu na última semana. Com a doença avançando sobre as periferias das grandes cidades, resta saber até quando o número de mortes não se projetará sobre a percepção dos cidadãos em relação a outras áreas do governo.

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