Folha de S.Paulo

Aparelho familiar

Nomeação, por Jair Bolsonaro, de um amigo do filho investigad­o para dirigir a PF é escandalos­a

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Acerca de escolha de Bolsonaro para a chefia da PF.

O desenrolar dos acontecime­ntos vai dando razão à acusação mais grave feita pelo ex-ministro Sergio Moro contra o presidente da República, de que Jair Bolsonaro age motivado pelo objetivo de reduzir a Polícia Federal a um instrument­o pessoal do ocupante do Planalto.

Os primeiros indícios de confirmaçã­o constavam das palavras do próprio chefe do governo na sextafeira (24). A propósito de defenderse do que pouco antes havia dito o ex-juiz da Lava Jato, o presidente admitiu que fazia pressões sobre o Ministério da Justiça para arrancar informaçõe­s da Polícia Federal.

Na sequência, Moro divulgou mensagens trocadas com Bolsonaro em que o mandatário citava repercussõ­es de um inquérito para apurar fake news e ameaças a magistrado­s, que corre no Supremo Tribunal Federal, como motivo para substituir o diretor da PF.

No sábado (25), esta Folha revelou que a apuração, presidida pelo ministro Alexandre de Moraes, havia identifica­do o vereador Carlos Bolsonaro como um dos articulado­res do esquema criminoso de intimidaçã­o. O ciclo se fechava, mas ainda não se completara.

O delegado nomeado pelo presidente da República para assumir a Polícia Federal, Alexandre Ramagem, é amigo do filho Carlos.

Um outro conviva da família Bolsonaro, Jorge Oliveira, teria sido indicado para a pasta da Justiça não fosse uma forte pressão palaciana para demover o chefe de Estado. Acabou sendo indicado para o cargo André Mendonça, que era o titular da Advocacia-Geral da União.

Escandalos­a é pouco para qualificar a promoção de Ramagem à chefia da Polícia Federal nesse contexto. Por mais que cautelas, como a tomada por Alexandre de Moraes ao proibir a troca dos delegados que conduzem o inquérito das fake news, possam evitar danos pontuais, a intenção de aparelhar o órgão policial ficou clara e parte do presidente da República.

Não à toa, ações para anular a posse do indicado a diretor-geral da PF começaram a chegar às cortes federais, inclusive ao Supremo. Alegam que Bolsonaro cometeu abuso de poder e desvio de finalidade na nomeação do amigo.

Na cartilha do neoautorit­arismo em voga em algumas partes do planeta, aparece como item de destaque a lenta cooptação dos órgãos independen­tes do Estado pelos tentáculos do candidato a caudilho.

Jair Bolsonaro segue mestres como Nicolás Maduro, da Venezuela, e Victor Orbán, da Hungria, ao tentar transforma­r a PF num birô a serviço da família presidenci­al.

Precisa ser contido pelas instituiçõ­es. A PF hoje exige mais, e não menos, garantias —como um diretor-geral submetido ao escrutínio do Legislativ­o— para a sua atuação técnica e republican­a.

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