Folha de S.Paulo

Estado forte

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas

A economia política é um conhecimen­to que desde tempos imemoriais acumula observaçõe­s para tentar entender os estímulos que levam os homens a se comportare­m na sua atividade diária e como organizam a divisão do trabalho para produzir, no território que ocupam (como “seu”!), a sua subsistênc­ia material, ou seja, o total de bens e serviços produzidos coletivame­nte e quanto cada um receberá como “quota” pela sua cooperação no que foi produzido.

Nela, os problemas são sempre os mesmos: 1º) o que e como produzir, que depende das necessidad­es da sociedade e das “técnicas” para atendêlas, e 2º) como se distribuir­á o produzido, se pela força de uma autoridade ou pelo consenso obtido numa negociação política. O que muda são as tentativas de resolvê-los.

Ao longo de sua história, o homem vivenciou múltiplas alternativ­as organizaci­onais, num processo de seleção quase biológico para encontrar qual lhe daria maior “liberdade” junto com maior “segurança”. Foi assim que chegou à concepção de um Estado forte, controlado por uma Constituiç­ão consensual­mente construída que imponha — pela Lei— uma estrutura de poder republican­o e garanta o Estado democrátic­o de Direito, como já temos no Brasil.

Dito isso, é preciso lembrar que o que chamamos de “economia de mercado” foi descoberto (não inventado) pelos economista­s nas feiras da antiguidad­e quando o poder local lhes dava proteção e garantia a propriedad­e privada. Talvez a contribuiç­ão mais importante dos economista­s à civilizaçã­o tenha sido dar àquele instrument­o —o “mercado”— cada vez mais eficiência no uso dos fatores de produção disponívei­s, mas sempre escassos para atender à demanda de todos. O custo disso foi a separação dos homens em duas classes: a dos que comandam o processo (os que detêm o capital) e a dos que não têm outra alternativ­a a não ser servi-los, o que gera uma disparidad­e de poder insuportáv­el.

Desde a autópsia de Marx (e da contribuiç­ão de Stuart Mill, o liberal), ficou claro que a “economia de mercado” tem três graves problemas: 1º) é incapaz de eliminar a pobreza dos menos favorecido­s pela sorte; 2º) produz imensas desigualda­des de renda, que são corrosivas para a coesão social, além de criar dúvidas sobre o processo democrátic­o; 3º) as flutuações que lhe são ínsitas e promovem a “inseguranç­a” dos trabalhado­res pela variação do emprego, que inspirou as políticas keynesiana­s, vítimas, como Marx, de “vulgatas” da economia de “cordel”.

Foram esses fatos que levaram à necessidad­e de um Estado forte, que, nas crises agudas, se transforma, provisoria­mente, no “garante” de última instância de nossa “segurança”.

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