Folha de S.Paulo

Da nossa conta

- Ruy Castro

rio de janeiro Minha empregada está em casa no subúrbio, com marido, filhos e netos. Amigos meus fecharam seus escritório­s, ateliês ou pequenos negócios, e também estão em casa. Atores e músicos que conheço estão igualmente parados, e em severa quarentena. Muitas dessas pessoas vivem em apartament­os modestos, que lhes bastavam quando podiam sair à vontade. Confinadas, as paredes começam a pesar-lhes. Elas gostariam de dar um pulo lá fora. Mas, consciente­s que são, sabem que, enquanto as mortes pelo vírus não chegarem ao pico e só então declinarem, não é hora de abrir a guarda.

Em contrapart­ida, de minha janela, vejo jovens e velhos caminhando no calçadão da praia, pedalando ou correndo na ciclovia e até indo mergulhar. Sei pelo noticiário que em São Paulo também é assim. Uma coisa são os prestadore­s de certos serviços, que não podem parar de trabalhar. Outra são os que decidiram não abrir mão do lazer —nem querem privar disso seus garotos, a julgar pelos festivos playground­s que também vejo daqui.

Não conheço a cor política dessas pessoas, mas quem continua a flanar, contra as recomendaç­ões dos agentes da saúde, está repetindo, até sem saber, o gesto de Jair Bolsonaro, para quem ninguém cerceará o seu direito de ir e vir. Por mim, Bolsonaro pode ir até para o diabo que o carregue, nem é da minha conta a saúde de quem sai em carreatas ou com ele partilha celulares, abraços e perdigotos.

Mas é da conta de todos nós, que estamos em casa, a saúde dos que continuam nas ruas como se tivessem passaporte­s de imunidade. O passeio de um deles, hoje, pode render uma internação só daqui a 15 dias. O problema é o que, por uma cadeia perversa, esses 15 dias custarão a quem ficou em casa.

Um amigo paulista, pioneiro da quarentena, está muito mal. Pode ter sido infectado pelo netinho assintomát­ico. Não haverá tragédia maior para uma família.

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