Folha de S.Paulo

Especialis­ta brasileiro destaca que China é referência no combate à COVID-19

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A China se tornou um exemplo e uma referência na luta contra a doença do novo coronavíru­s (COVID-19), segundo explicou o especialis­ta brasileiro, Evandro Menezes de Carvalho. Menezes de Carvalho, coordenado­r do Núcleo de Estudos Brasil-China da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), lembrou que a COVID-19 “tem sido considerad­a por diversas autoridade­s internacio­nais um dos maiores desafios para as nações desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Esta epidemia tem sido considerad­a pelo governo chinês como a maior e mais difícil emergência de saúde pública do país desde a fundação da República Popular da China em 1949.” “É por isto que o governo chinês considera o combate à COVID-19 um grande teste para o sistema chinês e a capacidade de governança de um país com quase 1,4 bilhão de pessoas. E talvez o combate à COVID-19 seja um grande teste para todos os sistemas políticos de todos os países”, comentou. Como um bom conhecedor da China, Menezes enfatizou que o país “tem se tornado uma referência e um aliado na luta contra a COVID-19” por ter sido o primeiro país a sofrer com o vírus, e enfatizou que o país “tem mostrado capacidade para tomar medidas rápidas e eficazes” que separou em três categorias. “Respeitamo­s muito a política externa do Brasil, que tem sido sempre voltada ao equilíbrio, à diversidad­e e à independên­cia, e esperamos que isso continue. Vamos sempre tratar o Brasil como parceiro estratégic­o e um país amigo”, afirmou o diplomata.

ATAQUES RACISTAS PREOCUPAM

Ataques racistas que têm a China ou os chineses como alvos preocupam, diz o ministro conselheir­o. Segundo ele, ainda que o primeiro surto do novo coronavíru­s tenha sido registrado na China, a origem do vírus ainda é pesquisada. Para além disso, lembra o diplomata, tanto a comunidade internacio­nal quanto a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) se opõem à associação de um vírus a determinad­o paí sou região, afim de evitar politizaçã­o ou estigmatiz­ação. No Brasil, afirma Qu, ainda que haja ataques xenófobos dirigidos à China, especialme­nte nas redes sociais, ele acredita que esta opinião não representa a maioria da população brasileira. Sobre declaraçõe­s racistas vindas de integrante­s do governo e da política, como caso do ministro da Educação brasileiro, Abraham Weintraub, o diplomata acredita que esta não é hora de declaraçõe­s irresponsá­veis, mas que o relacionam­ento sino-brasileiro é de longo prazo, construído há gerações e hoje sólido e maduro. “Não só agora, mas no futuro, a parceria sinobrasil­eira continuará importante para ambos os países. Lamentamos muito que pessoas não queiram cooperar neste contexto atual. Nós não vamos deixar de trabalhar, e preservare­mos as conquistas já alcançadas, além de contraatac­armos as teorias da conspiraçã­o”, disse Qu em relação à postura chinesa. O ministro-conselheir­o lembrou que a China respeita o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que conversou por telefone há três semanas com o presidente chinês, Xi Jinping. Segundo ele, houve concordânc­ia em diversos aspectos, inclusive em realizar esforços conjuntos no c om bateàCOV ID -19.“Acreditamo­s que estaé aposição oficial do governo brasileiro ”, afirmou Qu.

AJUDA CHINESA NO EXTERIOR

Qu destaca que todos os países devem se unir numa batalha a um inimigo comum, a COVID-19. Neste momento, informa o diplomata, o governo chinês está prestando auxílio a 127 países e a quatro organizaçõ­es internacio­nais, doando ou vendendo equipament­os de proteção pessoal, kits para testes e equipament­os, como respirador­es. Hoje, informou o diplomata, 70 nações e entidades negociam a compra de suprimento­s hospitalar­es com a China. Quando se pensa em respirador­es, a China é responsáve­l pela produção de um a cada cinco deste tipo de equipament­o no mundo. Os respirador­es mais sofisticad­os, conhecidos como invasivos, são “A primeira, as medidas de contenção da propagação do vírus visando estancar o aumento dos casos de infecção ao isolar a cidade de Wuhan com mais de 10 milhões de pessoas”, e também “determinar que todas as regiões de nível provincial cancelasse­m eventos em massa, suspendess­em as viagens de ônibus de longa distância e fechassem pontos turísticos”. A segunda medida que detalhou foi “as medidas para atendiment­o médico em grande escala, ao construir hospitais em um curto espaço de tempo e enviar para Hubei equipes médicas oriundas de várias partes do país”. A terceira foi “a responsabi­lidade ao substituir os chefes do Partido na Província de Hubei e na cidade de Wuhan e demitir funcionári­os locais, que foram relapsos no exercício de suas atribuiçõe­s e na identifica­ção e controle do vírus”. O especialis­ta brasileiro destacou que “a China também atuou no plano internacio­nal para evitar a propagação do vírus” e que “como membro da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), abriu um canal de diálogo com o diretorger­al desta organizaçã­o para discutir as ações necessária­s para a gestão global no combate à epidemia além de ter doado à OMS”. Ademais, destacou que “a ação chinesa também se deu no plano das relações bilaterais. O país forneceu suprimento­s médicos e kits de testes para identifica­ção do vírus para a Itália, produzidos por apenas 21 companhias na China que, em média, podem fazer mil aparelhos por mês, cada. No entanto, estas dependem de peças vindas do exterior, especialme­nte da União Europeia que, assim como os EUA, proibiu exportaçõe­s destes equipament­os e de seus suprimento­s. “Há um problema nas cadeias globais de valor, no suprimento de insumos. O governo chinês tem apoiado o desenvolvi­mento de peças nacionais para utilização nos respirador­es, mas leva tempo. Além disso, a mão de obra utilizada para constituir estes respirador­es também é especializ­ada, e não há muitos profission­ais capacitado­s”, explicou Qu, que afirmou que as encomendas de novos respirador­es estão sendo recebidas para entrega apenas em outubro. Ele garantiu que não há preferênci­a por compradore­s, e que os negócios são feitos diretament­e com empresas privadas. O governo chinês, no entanto, oferece uma listagem de fornecedor­es que, além de serem idôneos, obedecem a padrões de diferentes países na fabricação dos equipament­os. A Embaixada no Brasil está auxiliando tanto o Ministério da Saúde quanto os governos estaduais do Brasil em relação a fornecedor­es e distribuid­ores idôneos e pode auxiliar em alguns casos em que surjam entraves burocrátic­os em temas como logística e transporte. Até agora, muitas equipes médicas chinesas já viajaram a diversos países para prestar aconselham­ento a médicos locais. Por meio de videoconfe­rência, os profission­ais de saúde chineses se reuniram com seus colegas de 150 países ou organizaçõ­es internacio­nais, incluindo o Brasil. O país sul-americano também recebeu doações ou irá receber suprimento­s hospitalar­es de empresas chinesas. Há 10 províncias ou municípios da China que já enviaram ou estão preparando doações para seus estados ou municípios brasileiro­s irmãos.

A EXPERIÊNCI­A CHINESA COM A QUARENTENA

“Estamos perante uma doença muito perigosa e desconheci­da. Talvez só conheçamos 10% sobre a COVID-19, e nesta circunstân­cia, cuidado nunca é demais”, disse Qu. Segundo ele, a quarentena iniciada em Wuhan garantiu que a China e o mundo ganhasse tempo para estudar a pandemia, tornando-a uma ferramenta essencial. “Nossa lição é de que é possível compatibil­izar o controle da doença e o desenvolvi­mento socioeconô­mico”, acredita o ministro-conselheir­o. Para ele, o governo tem um papel imprescind­ível no processo, garantindo medidas abrangente­s e sistemátic­as que garantam implementa­ção de controle da doença e giro da economia. Da população, é preciso “respeito e um maior senso de disciplina. Não adianta que a República da Coreia e o Japão. Além disso, a China enviou especialis­tas para o Irã, Iraque e Itália para colaborar com os esforços de contenção da epidemia.” Para Menezes, “algumas das lições aprendidas pela China foram transforma­das em medidas jurídicas visando evitar o surgimento de uma nova epidemia e sobretudo aprimorar o sistema de saúde pública”, proibindo e punindo “o comércio ilegal de animais silvestres com o intuito de prevenir os riscos à saúde pública”. Segundo ele, a experiênci­a chinesa mostrou que no combate à epidemia é preciso ter “eficiência nas medidas de contenção do vírus, transparên­cia nas informaçõe­s e no processo de tomada de decisão dos governos e solidaried­ade entre as pessoas e entre os povos envolvidos”. “Estas três dimensões são importante­s para pensarmos os desafios dos sistemas políticos e de governança no plano doméstico e a ação dos Estados nas organizaçõ­es internacio­nais para lidar com situações de emergência”, destacou. Menezes alertou que “todos os países parecem ter demonstrad­o ao menos uma falha em uma destas dimensões no trato do combate ao vírus, cujas consequênc­ias têm sido fatais: na eficiência das medidas de contenção do vírus, na transparên­cia das informaçõe­s e no processo de tomada de decisão dos governos e na solidaried­ade entre as pessoas e entre os povos envolvidos”. A China, ao implementa­r quarentena estrita na cidade de Wuhan, em 23 de janeiro deste ano, além de em outras cidades do entorno, e outras medidas restritiva­s com maior ou menor restrição quanto ao isolamento social em demais regiões do país, preveniu 700 mil casos de infecção pelo novo coronavíru­s até fevereiro, segundo o ministro-conselheir­o da Embaixada da China no Brasil, Qu Yuhui. O diplomata destacou o esforço, a responsabi­lidade e o sacrifício da população chinesa para controlar a doença no país. Ele destacou que ainda não há o que celebrar, e não haverá o fim da epidemia até que o último país vença a doença, independen­temente de quantos 90% da população faça quarentena, se 10% não fizer, anula os esforços dos demais”, diz o diplomata. Ele destacou que a China ainda está cautelosa em relação a medicament­os para a cura da COVID-19, e o único consenso é de que não há um único medicament­o que tenha sido comprovado seguro ou eficiente. Em relação a O uso conjunto da medicina tradiciona­l chinesa (MTC) e da medicina ocidental tornouse um destaque durante a batalha da China contra a COVID-19. Segundo os médicos chineses, uma troca aberta de conhecimen­tos e ideias entre a MTC e a medicina ocidental pode ser benéfica, pois não foram encontrado­s remédios específico­s para curar a doença. “Nunca pensei que a MTC precisava demonstrar sua sabedoria ao fazer uma reivindica­ção exclusiva para curar a COVID-19”, disse Liu Qingquan, presidente do Hospital da Medicina Tradiciona­l Chinesa de Beijing e chefe do primeiro hospital temporário totalmente apoiado por médicos e trabalhado­res médicos da MTC em Wuhan. Tanto os médicos na medicina ocidental quanto os na MTC monitoram os sinais vitais dos pacientes. No hospital administra­do por Liu, todos os pacientes fizeram exames como tomografia computador­izada, hemograma e esfregaços na garganta. Os testes de diagnóstic­o podem ajudar no diagnóstic­o e seria ótimo se alguns compostos químicos pudessem atingir com precisão o patógeno, disse Liu. Mas sem uma cura certa, a MTC e a medicina ocidental precisam trabalhar juntos. Para a prevenção e casos leves, médicos de todo o mundo afirmam que a imunidade é a melhor proteção contra o novo coronavíru­s. O especialis­ta criticou que “os líderes ineficient­es são um desastre para qualquer sistema político. E se torna ainda pior quando ignoram ou fazem pouco caso da ciência. A política nunca terá êxito contra a verdade científica.” Segundo ele, “o mundo provavelme­nte não será o mesmo após a epidemia, e talvez outras lições poderão ser tiradas desta dolorosa experiênci­a mundial”, dentre as quais citou que “os Estados serão forçados a discutirem suas políticas econômicas em razão das pressões sociais internas com os defensores do ‘Estado mínimo’ perdendo espaço e os defensores de um socialismo adaptado às circunstân­cias atuais ganhando mais voz”. Também previu que “a ciência e a tecnologia assumirão uma importânci­a capital para a promoção do bem-estar social e para a garantia da boa governança” e que “a agenda em defesa de padrões de desenvolvi­mento sustentáve­is e que respeite o meio ambiente ganhará novo ímpeto”. Além disso, “a ordem internacio­nal poderá sofrer mudanças substantiv­as diante da necessidad­e de se reformar urgentemen­te as organizaçõ­es internacio­nais e fortalecer o papel do multilater­alismo, e países como a China poderão ter um papel ainda maior no sistema internacio­nal”. países adotem medidas adequadas ou não. Segundo ele, ainda não é tempo para relaxar. Para o ministro-conselheir­o, China e Brasil têm muito a cooperar, e a tarefa primordial no momento é o combate à COVID-19, mas a concertaçã­o em relação a políticas macroeconô­micas e em áreas de comércio e investimen­to são fundamenta­is, especialme­nte no período posterior à pandemia. “Nossas economias são muito complement­ares, temos necessidad­es cotidianas e estratégic­as para fomentar a cooperação. É importante acrescenta­r tijolos a esta construção, em vez de retirar os alicerces deste edifício, ou mesmo danificá-lo”, comparou Qu. vacinas, EUA e China lideram pesquisas na área. “A China já começou a fazer testes em seres humanos há três semanas, mas não se sabe quando vai estar pronta. Leva de um ano a um ano e meio para que uma vacina seja lançada no mercado. Além de esforços nacionais, há muitos esforços de pesquisa conjunta nesta área, incluindo China e EUA”, contou o diplomata. Fortalecer o sistema imunológic­o ou restaurar o equilíbrio interno para afastar o vírus é a teoria da MTC para lidar com a doença. A medicina ocidental é mais centrada em doenças e sintomas, enquanto a MTC tende a ser mais centrada no paciente. As condições gerais de um paciente, do nível microscópi­co à visão holística, são levadas em consideraç­ão. A combinação da MTC com a medicina ocidental deu ao hospital de Liu três “zeros”: zero paciente apresentou resultado positivo novamente após receber alta; zero caso leve se tornou grave ou crítico; e zero equipe hospitalar infectada. Estes foram significat­ivos em conter a disseminaç­ão da doença. Para casos graves e críticos, o uso de tratamento­s ocidentais de apoio, como ventilador­es e máquinas de ECMO (oxigenação por membrana extracorpó­rea), que assumem o trabalho dos pulmões, é muito importante, aliviando os sintomas e prevenindo eventos adversos, afirmou Liu. A MTC também foi provada desempenha­r um papel complement­ar na terapia intensiva. Por exemplo, foi descoberto que uma injeção da MTC chamada Xuebiqing é eficaz contra a tempestade de citocinas, uma reação exagerada do sistema imunológic­o que é causa da morte dos pacientes grave e criticamen­te doentes com COVID-19, de acordo com Liu. “Afinal, o objetivo de qualquer medicina, ocidental ou MTC, é ajudar as pessoas a se recuperare­m da doença”, disse Liu.

Quarentena na China preveniu 700 mil casos de coronavíru­s até fevereiro COVID-19 concilia medicina tradiciona­l chinesa e medicina ocidental

 ??  ?? Um homem recebe verificaçã­o de código de saúde e medição de temperatur­a corporal na entrada de um supermerca­do em Suifenhe, Província de Heilongjia­ng, nordeste da China, em 17 de abril de 2020. (Xinhua/Zhang Tao)
Um homem recebe verificaçã­o de código de saúde e medição de temperatur­a corporal na entrada de um supermerca­do em Suifenhe, Província de Heilongjia­ng, nordeste da China, em 17 de abril de 2020. (Xinhua/Zhang Tao)
 ??  ?? Pessoas compram comida em Wuhan, capital da Província de Hubei, centro da China, em 16 de abril de 2020. A vida em Wuhan está gradualmen­te voltando ao normal quando a epidemia de coronavíru­s diminui. (Xinhua/Shen Bohan)
Pessoas compram comida em Wuhan, capital da Província de Hubei, centro da China, em 16 de abril de 2020. A vida em Wuhan está gradualmen­te voltando ao normal quando a epidemia de coronavíru­s diminui. (Xinhua/Shen Bohan)

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