Celso de Mello ignora PGR e não cita possíveis crimes de Moro
Decisão que abre apuração das acusações do ex-ministro põe foco em Bolsonaro
BRASÍLIA Na decisão em que abriu o inquérito para investigar as acusações de Sergio Moro contra o presidente Jair Bolsonaro, o ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), centra as atenções no chefe do Executivo e não cita os crimes que poderiam ser imputados ao ex-ministro da Justiça.
Crítico contumaz de Bolsonaro, o magistrado afirmou, no despacho de segunda-feira (28), que ninguém está acima da lei, nem o presidente da República, e mandou recados ao Palácio do Planalto.
O ministro faz referências a um jurista que diz que o presidente deve ficar no poder “enquanto a bem servir” e a outro que fala em “neutralizar a ação do chefe do Executivo”.
Além disso, diz que o presidente está sujeito “às consequências jurídicas e políticas de seu próprio comportamento” e que ninguém tem legitimidade para “vilipendiar a Constituição”.
Ao solicitar a instauração do inquérito para apurar os relatos de Moro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, citou o possível cometimento de oito crimes. O ex-ministro da Justiça, de acordo com interlocutores de Aras, pode ser enquadrado em três deles: denunciação caluniosa, crime contra a honra e prevaricação.
Como Celso de Mello atendeu ao pedido integral de Aras, tanto o ex-juiz da Lava Jato quanto Bolsonaro são considerados tecnicamente investigados. Em sua decisão, porém, o ministro do Supremo cita Moro apenas para fazer referência ao que disse em relação ao chefe do Executivo.
“O eminente Chefe do Ministério Público da União assim fundamentou o seu pedido de instauração de inquérito, para apuração de fatos alegadamente criminosos mencionados pelo Senhor Sérgio Fernando Moro no pronunciamento acima referido”, escreveu.
O pedido de Aras foi apresentado ao STF na última sexta-feira (24), horas depois de Moro anunciar seu pedido de demissão do governo com sérias acusações a Bolsonaro.
De acordo com o juiz que conduziu a Lava Jato, o presidente pretendia tirar Maurício Valeixo da diretoria-geral da Polícia Federal para aumentar a influência na corporação e ter acesso a informações sobre investigações em curso, contra a previsão de autonomia da corporação.
“O presidente queria alguém que ele pudesse ligar, colher informações, relatório de inteligência. Seja o diretor, seja o superintendente”, afirmou.
Também disse não ter assinado a demissão de Valeixo da PF, como foi publicado inicialmente no Diário Oficial e alardeado pelo chefe do Executivo e outros integrantes do governo. Uma nova versão do ato foi publicada depois, sem a assinatura de Moro.
Após as acusações, o diretor-geral da PF indicado por Moro foi substituído por Alexandre Ramagem, então diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e amigo de Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e investigado pela PF por disseminação de notícias falsas.
Na decisão de 17 páginas em que manda investigar a veracidade das acusações, Mello ressalta que “absolutamente ninguém tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição”.
“A ideia ínsita ao princípio republicano traz consigo a noção inafastável de responsabilidade, inclusive a de responsabilidade criminal, pois —reitere-se— ninguém está acima da autoridade das leis e da Constituição da República, ainda mais se se considerar um dado institucionalmente relevante cuja razão de ser decorre, essencialmente, do modelo democrático, que faz instaurar e que consagra o império da lei (“rule of law”)”, diz.
Para Mello, a Constituição permite que o presidente seja investigado e a jurisprudência do Supremo é “inquestionável” nesse sentido.
“Nem a imunidade formal prevista no artigo 51, inciso I, da Constituição Federal, tampouco a cláusula de exclusão inscrita no artigo 86, § 4º, dessa mesma Carta Política, inibem a possibilidade de instaurar-se, na espécie, procedimento de investigação penal, para o fim de coligir elementos de prova, em ordem a apurar a materialidade de eventos supostamente delituosos cuja autoria possa vir a ser atribuída ao Senhor Presidente da República”, afirma.
Segundo o decano do STF, o Legislativo tem de ser acionado só para autorizar a abertura de ação penal caso a investigação tenha como consequência a apresentação de denúncia da Procuradoria Geral da República contra o presidente Jair Bolsonaro.