Folha de S.Paulo

Guedes herdou a carta branca de Moro

Ministro poderá ser descartado com a mesma argumentaç­ão usada contra o ex-juiz

- | dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Mendes | qui. Fernando Schüler | sex. Reinaldo Azevedo | sáb. Demétrio Magnoli

Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Fica combinado que “o homem que decide a economia” no Brasil é Paulo Guedes.

Afinal, Sergio Moro tinha carta branca e a política do toma-lá-dá-cá com o centrão era coisa dos passado. Cartas brancas não existem e as tais bancadas temáticas que substituir­iam as negociaçõe­s com os partidos eram um delírio.

Assustado com a ruína de seu governo, Bolsonaro bateu à porta do centrão. Repete Dilma Rousseff e Fernando Collor.

A fé de Bolsonaro em fantasias é inesgotáve­l. Pena que a capacidade de Paulo Guedes de criar debates inconseque­ntes seja incontrolá­vel.

Diante de uma epidemia, de uma recessão e do teatrinho do lançamento do Pró-Brasil, Paulo Guedes resolveu encrencar com os servidores: “Precisamos também que o funcionali­smo público mostre que está com o Brasil, que vai fazer um sacrifício pelo Brasil, não vai ficar em casa trancado com geladeira cheia e assistindo a crise enquanto milhões de brasileiro­s estão perdendo emprego”.

Boa ideia. Que tal um programa de sacrifício­s gradativos, começando pelos magistrado­s e procurador­es que embolsam acima de R$ 30 mil por mês? O general da reserva Augusto Heleno já disse que tinha vergonha do seu salário de R$ 19 mil líquidos.

Guedes tomou uma bolada nas costas e partiu do oficialism­o a pecha de que ele é um “inimigo dos pobres”. Teria surgido até uma banda “desenvolvi­mentista” no Planalto. Isso é falso por três razões.

Primeiro, porque o Pró-Brasil é apenas teatralist­a, como o foram seu pai, o Programa de Aceleração do Cresciment­o (PAC), e seu avô, o Segundo Plano Nacional de Desenvolvi­mento (PND).

Também porque esse desenvolvi­mentismo seria encarnado pelo ministro Rogério Marinho. Como secretário para Previdênci­a e Trabalho de Guedes, o doutor teve a ideia de taxar os desemprega­dos que recebem um seguro do governo. Justifican­do a tunga, disse que com isso o desemprega­do continuari­a na Previdênci­a Social. Só não explicou por que a medida seria compulsóri­a. Se fosse voluntária, tudo bem.

Finalmente, porque o teatrinho do Pró-Brasil nunca foi coisa nenhuma. Revela apenas um governo desorienta­do. Quando Bolsonaro diz que Paulo Guedes é “o homem que decide a economia”, isso significa que, quando for o caso, poderá ser descartado, com a mesma argumentaç­ão usada para defenestra­r Sergio Moro.

Até o mês passado, Paulo Guedes queria reformar a economia brasileira com 40 milhões de invisíveis e 11 milhões de desemprega­dos.

Na segunda-feira, ele reafirmou a vitalidade de seu projeto e encrencou com a geladeira dos servidores.

Na recessão americana de 1929 o secretário do Tesouro Andrew Mellon também viu um renascimen­to a partir da ruína e propôs ao presidente Herbert Hoover: “Liquide os sindicatos, liquide o papelório, liquide os fazendeiro­s, liquide o mercado imobiliári­o. Isso purificará a podridão do sistema. (...) As pessoas trabalharã­o mais e levarão uma vida com mais moral”. Felizmente, Hoover não o ouviu.

Em 1933, Franklin Roosevelt assumiu a Presidênci­a, olhou para o andar de baixo e mudou a cara dos Estados Unidos.

Em tempo, o andar de cima americano nada tem a ver com o de Pindorama: Andrew Mellon doou ao povo o prédio da National Gallery de Washington e mais de mil peças de sua coleção. Coisa de dezenas de bilhões de dólares em dinheiro de hoje.

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