Folha de S.Paulo

Não podemos deixar o Brasil ser tocado por um chavista que quer golpe

Ex-aliada de Bolsonaro, deputada critica trocas no comando da PF e do Ministério da Justiça e pede impeachmen­t do presidente

- Julia Chaib

BRASÍLIA Ex-aliada de Jair Bolsonaro, a líder do PSL, Joice Hasselmann (SP), avalia que o presidente tenta interferir na Polícia Federal ao colocar um amigo da família para chefiála. “Por isso, antes que o Brasil caia num chavismo de verdade com o sinal trocado, eu propus o processo de impeachmen­t”, diz.

A deputada afirma que a atitude de Bolsonaro tem como objetivo proteger os filhos, inclusive o vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ), apontado em investigaç­ão da Polícia Federal como um dos articulado­res de um esquema de disparos de fake news.

O presidente nomeou o delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. Ramagem era diretorger­al da Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia) e é homem de confiança do presidente e de seus filhos.

Delegado de carreira da PF, ele se aproximou da família Bolsonaro durante a campanha de 2018, quando comandou a segurança do então candidato a presidente.

Joice diz ter entregue ao Supremo dados que mostram como o chamado “gabinete do ódio” opera nos estados, além de provas de que os articulado­res dessa rede atuam com “calendário­s de ataques”, escolhendo vítimas de determinad­os períodos. “No caso, o Moro vai ser vítima, como eu fui, por meses”, diz.

Joice foi líder do governo no Congresso até outubro de 2019, quando foi tirada do cargo por atritos com o presidente dentro do partido.

O ministro Sergio Moro pediu demissão e, no mesmo dia, a sra. apresentou pedido de impeachmen­t na Câmara por obstrução de Justiça. Obstrução de justiça, intervençã­o na Polícia Federal e falsidade ideológica.

Há provas suficiente­s para levar essa acusação adiante?

A tentativa de intervençã­o na Policia Federal já é uma prova contundent­e. Nós sabemos, e a imprensa repercutiu amplamente, que há meses o presidente tenta fazer intervençã­o na PF, colocando um amigo próximo de seu filho, um amigo de casa, de balada, de festa, para comandar a polícia que investiga, inclusive, esquema criminoso dos filhos dele. O que o ministro [Moro] estava fazendo ali era impedir que o presidente fizesse tal negociata para proteger seus filhos.

O que o presidente está tentando fazer é transforma­r PF e o Ministério da Justiça numa coisa só e comandado pela mesma pessoa, ninguém mais ninguém menos que o próprio presidente.

Isso não é democracia, é chavismo, é autoritari­smo, passa longe de ser um processo democrátic­o. Por isso, antes que o Brasil caia num chavismo de verdade com o sinal trocado, eu propus o processo de impeachmen­t. Ainda que eu ache que o melhor caminho é a renúncia, mais rápido e menos doloroso.

Então, quando a sra. ainda estava como líder do governo no Congresso, o presidente já falava em trocar o chefe da PF... E eu sempre fui contra, publicamen­te.

Mas a sra. já conversou sobre isso dentro do governo? Porque a sua saída do governo se deu por outros motivos...

Ela se deu por outras interferên­cias. É hábito do presidente da República interferir em todos os lugares, inclusive onde ele não deveria ter a menor ingerência. Da mesma forma como ele interfere na Polícia Federal, esse órgão que tem ser tão cuidado e protegido em sua dignidade, ele interferiu numa liderança de partido no Congresso, fazendo o que ele não deveria.

Ele interferiu em quê? Interferiu no momento em que chamou um grupo de parlamenta­res para lotear uma parte do governo para retirar um líder da época, que não era nem eu, para colocar o filho dele [o deputado Eduardo Bolsonaro, do PSL-SP]. Na época era o líder Waldir (PSL-GO). Imagina o presidente descer nesse nível para interferir numa liderança de partido, chega a ser chulo.

Uma das motivações do presidente na troca na PF seria o inquérito aberto no STF para sobre a organizaçã­o de atos pró-intervençã­o militar. Há outra investigaç­ão sobre fake news. A PF identifico­u o Carlos como um dos coordenado­res do esquema, como mostrou a Folha. Eu já sabia disso há 500 anos. O meu depoimento na CPMI das Fake News é exatamente o que a polícia está dizendo agora e que o próprio Moro disse.

A sra. deu esse depoimento na CPMI das fake news e também prestou depoimento ao ministro Alexandre de Moraes. A sra. repetiu o conteúdo?

Eu trouxe mais informaçõe­s no Supremo. Até porque o depoimento ali é sigiloso. No STF, além de outras documentaç­ões, dei o caminho das pedras de como o esquema do gabinete do ódio se ramifica nos estados. Na CPI, onde falei por praticamen­te dez horas, consegui abranger o esquema nacional, dentro do Palácio do Planalto e parte do esquema que acontece na própria Câmara dentro do gabinete desses bolsonaris­tas.

Também mostrei um esquema em São Paulo, mas isso se repete no Nordeste, no Rio Grande do Sul. Ao STF levei dados do Ceará, onde tem uma grande célula do gabinete do ódio, do Rio de Grande do Sul e de outros estados.

Em todos os estados o esquema está conectado? [O esquema] funciona em esquema de células, uma célula central, que fica dentro do Palácio do Planalto cria a informação, a fake news, o perfil falso, os ataques, as hashtags. Essa célula central passa para grupos de Instagram e de WhatApp, para outros coordenado­res. Esses coordenado­res passam para células em seus estados.

A sra. apresentou provas do envolvimen­to do Carlos? A sra. diz que o gabinete do ódio está dentro do palácio do Planalto e tem o Carlos e o Eduardo como partes importante­s.

Eu apresentei provas do envolvimen­to direto de um dos assessores do Eduardo no grupo do gabinete do ódio, inclusive como ele estava fazendo as orientaçõe­s e conversas. Apresentei os áudios dele orientando como os grupos deveriam agir, apresentei o calendário de ataques, quem deveria ser atacado e qual dia.

Eles formatam [os ataques] em calendário­s, pegam o mês inteiro e escolhem a vítima daquela semana, por exemplo. A vítima da semana é o Moro. No caso, o Moro vai ser vítima, como eu fui, por meses. Eles pegam os grupos todos, páginas de internet compradas, as páginas ditas de ultradirei­ta, e fazem um rodízio.

A cada dia, o ataque tem que partir de uma página e todas as outras replicam. É assim que funciona. Nós mostramos que o assessor do Eduardo estava dentro do gabinete. E quem montou esse grupo comandado pelo Filipe Martins e o Tércio [que trabalham no Planalto] foi o Carlos, todo mundo sabe disso. Foi assim na campanha, na pré-campanha e tem sido assim agora.

A sra. diz que desde a précampanh­a era assim. A sra. não sabia que eles faziam esses disparos? Eu não tinha conhecimen­to. Essas notícias que diziam que existia disparo em massa de robô, achei que era tudo fake, invenção da oposição, e nunca fiz parte desse núcleo porque o Carlos nunca permitiu. Essa parte do gabinete específico, eu só tive a certeza [que existia] quando eu virei alvo e resolvi investigar.

A sra. não acha que foi conivente? Imagina. Para ser conivente eu tinha que saber.

A sra. vê espaço para o presidente da Câmara levar seu pedido de impeachmen­t adiante? Rodrigo Maia disse que o foco é a pandemia. Sem dúvida, precisamos ter o foco na pandemia, mas não podemos deixar o Brasil à deriva, porque o governo acabou.

A sra. defende que o pedido vá para frente agora? Eu defendo que nós possamos fazer um processo que não seja no afogadilho, defendo a criação da CPI. O impeachmen­t está na gaveta do presidente da Câmara. Cabe a ele tirar. Conforme as informaçõe­s sejam reveladas, haverá apoio da população para acontecer. O Brasil precisa de paz e tranquilid­ade. O foco é combater a pandemia, mas não podemos cruzar os braços para o que está acontecend­o na Presidênci­a e seus puxadinhos.

Se o processo for para frente, não haverá paz... Por isso defendo primeiro a renúncia. Se o presidente tivesse juízo, renunciari­a. Não podemos deixar o Brasil sendo tocado por um chavista, que quer instituir um golpe militar no Brasil e fingir que nada está acontecend­o. É papel do Parlamento impedir esse golpe. Não podemos fechar os olhos, senão a Câmara estará sendo omissa, prevarican­do.

O presidente intensific­ou as conversas com partidos de centro e negocia cargos. Como vê essa aproximaçã­o? Bolsonaro cedeu ao pior que tem na política. O discurso que foi feito cai por terra, é mentira. Discurso de corrupção, de lealdade ao povo brasileiro, de não roubar, tudo é mentira.

Oqueo presidente está tentando fazer é transforma­r Polícia Federal e o Ministério da Justiça numa coisa só e comandado pela mesma pessoa, ninguém mais ninguém menos que o próprio presidente

Eles [gabinete do ódio] formatam os ataques em calendário­s, pegam o mês inteiro e escolhem a vítima daquela semana, por exemplo. A vítima da semana é o Moro. No caso, o Moro vai ser vítima, como eu fui

 ?? Kleyton Amorim - 18.dez.19/UOL ?? Joice Hasselman, 42
Formada em jornalismo, foi eleita deputada federal pelo PSL de São Paulo pela primeira vez em 2018, com mais de 1 milhão de votos.
Foi líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso até outubro de 2019. É líder da bancada do PSL na Câmara desde março
Kleyton Amorim - 18.dez.19/UOL Joice Hasselman, 42 Formada em jornalismo, foi eleita deputada federal pelo PSL de São Paulo pela primeira vez em 2018, com mais de 1 milhão de votos. Foi líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso até outubro de 2019. É líder da bancada do PSL na Câmara desde março

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