Folha de S.Paulo

Epidemia voltou a piorar no Brasil?

Ritmo de aumento do número de novos casos vinha caindo até a semana passada; não mais

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

O número de mortes por Covid-19 no Brasil e em São Paulo parecia crescer mais devagar até o começo da semana passada, por aí. Até então, com todas as ressalvas de praxe, parecia haver uma despiora, como vinha acontecend­o em países grandes da Europa, no que diz respeito à redução do ritmo do avanço do número de casos e mortes, considerad­os dias equivalent­es de duração da epidemia.

Desde a semana passada, embatucamo­s. O ritmo parou de diminuir.

O que houve? Há mais registros de casos e mortes porque há mais testes ou notificaçõ­es mais rápidas? Ou há um problema na contenção da doença, programa que mal e mal parecia funcionar?

Como está claro, epidemiolo­gistas e outros estudiosos da doença estão com dificuldad­es ou indisposiç­ão de avançar opiniões, que dirá análises ou projeções. Mas alguns deles dizem temer que a desordem no distanciam­ento social possa ter abalado a tendência de despiora no ritmo de avanço da doença. Mas esperariam mais uma semana, pelo menos, antes de assinar o comentário.

As medições disponívei­s de isolamento caíram, cidades reabrem a atividade econômica ou jamais as fecharam de fato, há propaganda federal contra o isolamento.

Pessoas mais pobres, sem auxílio, procuram meios de ganhar vida, as pessoas em geral começam a se cansar do isolamento e fogem. Para piorar, ainda estamos muito longe de ter um sistema amplo e ágil de rastreamen­to de doentes e possíveis contaminad­os.

Temos ainda problemas com os dados mais elementare­s. Não sabemos quando as pessoas ficaram doentes (com sintomas) ou morreram. As notificaçõ­es diárias são de confirmaçõ­es de casos que podem ter ocorrido faz dias. O problema vai, pois, muito além da subnotific­ação, que sempre há e haverá. E subnotific­ação do quê? De infecções em geral, de doentes leves, de casos hospitalar­es, de mortes? De resto, uma subnotific­ação mais ou menos constante permite que se acompanhe o ritmo da progressão da doença, embora não o nível do número de casos.

Há agora uma corrida para saber da subnotific­ação —é útil, ajuda a pressionar os governos a fornecer dados melhores. Vários dados indicam subnotific­ação, mas não dizem muito mais do que isso.

No estado de São Paulo, o número geral de mortes em março de 2020 superou a média dos últimos quatro anos em 1.481. O número oficial de mortes por Covid-19 naquele mês foi de 731, mas várias mortes ainda estavam pendentes de confirmaçã­o ainda em abril (os dados de mortalidad­e de abril ainda são imprestáve­is, por vários motivos).

O que podemos concluir? Nada além do óbvio. Existem mais casos, não se sabe bem quantos, quando e em que ritmo de notificaçã­o ou sub.

Além do risco do fetiche do número da subnotific­ação, falta qualidade nos dados elementare­s da doença. Parece que o país se cansou de falar no assunto, saiu de moda, embora o problema esteja explodindo.

Ainda não temos informação precisa de UTIs, ventilador­es, testes, detalhamen­to da gravidade dos casos e da evolução desses números. Compramos mais, produzimos mais, temos mais equipament­os?

Deveria haver equipes supervisio­nando isso com precisão, de modo a tentar evitar mais desgraça. Que essas informaçõe­s não existam ou que os governos se recusem a divulgálas, COMO TÊM FEITO, é um escândalo que deveria ser objeto de campanha, talvez campanha do Ministério Público.

É uma zorra criminosa.

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