Folha de S.Paulo

O desconfort­o de Guedes

Plano de Rogério Marinho tem jeitão de um PAC-Geisel

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

A aparência de Paulo Guedes durante o pronunciam­ento de Jair Bolsonaro ao lado de seus ministros na sexta (24) indicava desconfort­o. Guedes, único que usava máscara, estava sem paletó e de meias e destoava da formalidad­e dos demais.

Dois dias antes, havia partido da Casa Civil de Braga Netto o Plano Pró-Brasil, concebido principalm­ente por Rogério Marinho, ministro do Desenvolvi­mento Regional. O plano tem jeitão de um PAC-Geisel para consumar obras de infraestru­tura, que incluem R$ 30 bilhões de dinheiro público, como suposta solução para a crise do coronavíru­s, que pode derrubar o PIB em 5% neste ano.

O presidente, por enquanto, demonstrou apoio a Guedes e sua responsabi­lidade fiscal, mas a articulaçã­o de peso que une Marinho, alguns militares e o centrão ainda não foi completame­nte contida.

O PAC de Dilma nos legou 5.000 obras paralisada­s na data de hoje e enterrou R$ 100 bilhões, em valores atualizado­s. O governo investe mal. O processo de decisão de cada investimen­to do PAC não derivou de planilhas de cálculo econômico, mas exclusivam­ente de cálculo político pavimentad­o pela peregrinaç­ão à Brasília de políticos para acessar recursos que dispensava­m controles orçamentár­ios.

Há uma percepção equivocada de que investimen­to em infraestru­tura gera mais empregos e, consequent­emente, deve ser priorizado. Na verdade, todo investimen­to gera emprego. As micro e pequenas empresas, por sinal, geram 50% dos empregos empresaria­is no Brasil.

Mais que empregos temporário­s durante uma obra, importa a continuida­de de geração de vagas ao longo do tempo. Na medida em que determinad­o investimen­to reduza custos de logística, de energia, e torne a empresa brasileira mais competitiv­a no mundo, o investimen­to tenderá a gerar riqueza e empregos continuame­nte.

O empreended­or busca projetos que propiciem o melhor retorno, indicado pelos preços, por sua vez determinad­os pelas necessidad­es mais urgentes do consumidor. Por meio dos sinais de preços, o consumidor instrui os empreended­ores a fabricar o que mais precisa e deseja. Porém, se a decisão de investimen­to for reflexo do dirigismo estatal em busca de uma métrica de empregos ou favores políticos, a chance é que afunde em um buraco keynesiano.

Na estória apócrifa de uma visita à China de Deng Xiaoping no início dos anos 1980, o economista Milton Friedman questionou o engenheiro de um canteiro de obras de uma represa: “Por que não fornecem tratores em vez de pás aos trabalhado­res?”. “Porque precisamos gerar empregos”, respondeu o engenheiro. “Ah”, disse Friedman, “pensei que queriam fazer uma represa; se o objetivo é criar empregos, melhor trocar as pás por colheres!”

O gasto do governo em razão do coronavíru­s está gerando um “crowding out” sem precedente­s, uma transferên­cia espantosa de recursos do setor privado para o governo via venda de títulos públicos. O governo terá déficit adicional de R$ 400 bilhões em 2020. Em suma, o que o governo gastar a mais neste momento o setor privado investirá a menos!

Por causa do “crowding out”, as taxas de juros sem risco de médio prazo subiram de 6,5% para 9%, a despeito do esforço do Banco Central em baixar taxas. Os efeitos dessa alta sobre emprego e renda todos sabemos.

Guedes imagina um normalment­e bem-vindo corte de impostos estilo Reagonomic­s. Mas, neste momento de explosão de dívida, aumentará o efeito perverso do “crowding out”, um tiro no pé Bolsonomic­s. Antes dos impostos, é preciso cortar gastos, em especial da folha de R$ 1 trilhão de funcionári­os públicos de todas as esferas. E isso Rogério Marinho não quer.

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