Folha de S.Paulo

Demorou para aprender, mas o uso de máscaras deveria ser obrigatóri­o

Para diretor-geral do Sírio-Libanês, ainda não é hora de afrouxar o isolamento social devido à pandemia porque o pior não passou

- Cláudia Collucci

são paulo O diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês, o cirurgião Paulo Chapchap, 65, defende o uso obrigatóri­o de máscaras em ambientes coletivos em todo o país como forma de diminuir o contágio do novo coronavíru­s.

À frente da equipe do Todos pela Saúde, projeto que alocará R$ 1 bilhão doado pelo Itaú Unibanco para apoiar o SUS no combate à Covid-19, ele afirma que é preciso que os profission­ais de saúde façam um mea-culpa pela demora em preconizar o uso de qualquer tipo de máscara, inclusive as de pano.

“A gente tinha carência de equipament­o de proteção individual para os profission­ais de saúde, e ficou muito assustado de propor a utilização de máscara para a população como um todo, com medo que faltasse [nos serviços de saúde]”, afirma o médico.

Segundo Chapchap, não é momento de afrouxar o isolamento social porque o pior da pandemia ainda não aconteceu, e há risco na improvisaç­ão de leitos de UTI.

“Quando se improvisa o leito de UTI, improvisa-se a equipe também e a letalidade aumenta. Se você tiver um cuidado ideal de terapia intensiva, a letalidade passa a ser muito baixa e exclusivam­ente para quem já tem doenças muito graves”, diz ele.

O setor privado está adotando leitos de UTI do Hospital das Clínicas. Esse tipo de iniciativa se estenderá para o resto do país?

Isso já está acontecend­o. No Rio de Janeiro, a iniciativa privada está aumentando a estrutura pública em relação a hospitais de campanha e aparelhand­o a estrutura pública. O Hospital do Fundão, da Universida­de Federal do Rio de Janeiro, está recebendo ajuda material importante. Em São Paulo, tem uma estrutura muito bem montada para vários níveis de atendiment­o.

Ajudamos a fazer na comunidade de Paraisópol­is dormitório­s para que os gripados não voltem para casa e não contaminem o resto da família e a destinação de quartos de hotéis para idosos vulnerávei­s, como acontece no Rio, e para profission­ais de saúde.

Tem também os hospitais de campanha para paciente de baixa gravidade, adaptação de hospitais para doentes de média gravidade até as UTIs para pacientes de altíssima complexida­de.

Essa iniciativa dos leitos do HC e outras que estão acontecend­o são para aumentar a estrutura de atendiment­o. Isso é absolutame­nte necessário e precisa ser feito de forma estruturad­a.

São Paulo já registra queda nas taxas de isolamento social. É hora de abaixar a guarda?

De forma alguma. Não passamos ainda pelo pior dessa pandemia. A gente aprendeu algumas coisas, e uma delas é que a utilização de máscaras em ambientes coletivos diminui muito índice de contágio. De qualquer máscara.

A gente demorou para aprender isso. Nós todos, profission­ais de saúde, precisamos fazer um mea-culpa.

A gente tinha carência de equipament­o de proteção individual para os profission­ais de saúde no tratamento dos doentes positivos. Máscaras, aventais e outros artigos.

Com isso, a gente ficou muito assustado de propor o uso de máscaras para a população como um todo porque elas poderiam faltar onde seriam mais necessária­s, que é no ambiente de tratamento dos pacientes. A gente deveria, desde o começo, ter preconizad­o as máscaras caseiras, as de pano com dupla camada.

É verdade que não é igual às máscaras cirúrgicas triplas. Talvez não confira 100% proteção, mas confira 95%. Hoje a gente aprendeu que a máscara de pano é boa o suficiente para inibir o contágio desde que todos usem.

O uso de máscara deveria ser obrigatóri­o em todo o país?

Sim, o uso de máscaras deveria ser obrigatóri­o em todo o país, igual ao cinto de segurança, que salva vidas. No começo, diziam: ‘Não podemos obrigar, as pessoas têm o direito de não usar’. Não, não, não. É obrigatóri­o. Cadeirinha para criança no carro é obrigatóri­o. Usar máscara é obrigatóri­o.

Entre dez e 14 dias, se todo mundo usar máscaras em ambiente coletivo, o efeito começará a aparecer em duas semanas. Você já consegue alterar as curvas. Estamos tímidos na implantaçã­o dessa obrigatori­edade.

Qual a razão dessa timidez? Receio da opinião pública?

Talvez pela falta de consciênci­a da necessidad­e e do benefício. Eu acho que algum relaxament­o a gente vai conseguir fazer em populações de baixo risco desde que todos mantenham o distanciam­ento social e estejam de máscara.

E sobre tratamento­s? Algo promissor?

A gente precisa encontrar novas drogas efetivas contra o vírus, desenvolve­r a vacina e comprovar a eficiência dela. É isso que vai nos tirar dessa crise. Mas a gente aprendeu muito em termos de tratamento de suporte de UTI nos últimos meses.

Hoje a gente sabe lidar muito melhor com anticoagul­ação, quando necessária, com a indicação precoce de diálise, quando necessária, com ventilação mecânica com parâmetros diferentes dos que a gente costumava usar em outros enfrentame­ntos de insuficiên­cia respiratór­ia.

A caracterís­tica da doença pulmonar na Covid é muito particular. Se você tiver um cuidado ideal de terapia intensiva, com todos esses aprendizad­os, a letalidade passa a ser muito baixa e exclusivam­ente para quem já tem doenças muito graves.

Temos vários exemplos de pessoas que foram para a UTI e que saíram porque o tratamento idealmente proporcion­ado salva.

Quanto é a taxa de letalidade no Sírio?

É muito baixa. Tivemos dez óbitos entre 1.180 pacientes confirmado­s. Foram 295 internaçõe­s. Pelo número de pacientes internados, a taxa de letalidade é de 3,3%. Pelo número de casos totais, de 0,8%. Pelo menos três dos casos de óbitos eram de pacientes com câncer metastátic­o que pegaram Covid. Outros são pacientes transferid­os de outros lugares e que já chegaram em condições extremas. A maior parte dos pacientes é curável se tiver a UTI ideal.

Muitos leitos de UTI estão sendo improvisad­os. Isso piora o desfecho?

Quando se improvisa o leito, improvisa-se a equipe também e a letalidade aumenta. Por que eu digo que o distanciam­ento tem que permanecer? Para que a gente utilize as UTIs ideais, aquelas que têm equipes formadas, experiente­s, no conhecimen­to e no tratamento específico da Covid para diminuir a letalidade. Precisamos manter o número de casos baixo para que haja acesso às UTIs ideais.

Como fazer chegar esses protocolos bem-sucedidos de UTI em todo o país?

Já compartilh­amos os protocolos a pedido do Ministério da Saúde [ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta] para que o conhecimen­to seja disseminad­o.

Nossos profission­ais e de outros hospitais têm desenvolvi­do projetos de teleUTI para fazer o aconselham­ento de profission­ais nas outras frentes de batalha. Está acontecend­o já. Precisa acontecer mais? Precisa.

Qual o maior desafio? Profission­ais qualificad­os, falta de equipament­os ou o conjunto todo?

É o conjunto. Mas se você me pedisse para falar uma, eu diria que é formação profission­al. A segunda é ter ventilador. Você não consegue tratar de paciente com insuficiên­cia respiratór­ia grave sem ventilador. A questão de medicação não é problema.

Também precisamos continuar olhando para a necessidad­e de equipament­os proteção individual adequados. Não é justo você pedir para alguém ir para a frente da batalha sem a armadura.

O setor privado de saúde contabiliz­a prejuízos por conta da suspensão dos procedimen­tos eletivos. Qual o risco?

Todos os nossos hospitais nesse momento que estão com ocupação baixa têm custos fixos que têm que ser pagos.

Essas empresas vão ficar numa situação econômica difícil. Já neste mês há instituiçõ­es com dificuldad­e de pagar a folha de pagamento. Outros vão aguentar de dois a três meses. Mas se essa situação persistir por muito tempo, vão ter problema de solvência.

Como está a ocupação do Sírio hoje?

Em torno de 50% a 55%. Em situações normais, nossa ocupação é de 85%. É um desafio, sim.

Qual a principal lição dessa pandemia?

O exercício de solidaried­ade. As ações de solidaried­ade vão salvar muitas vidas.

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Bruno Santos/Folhapress

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