Folha de S.Paulo

Bolsonaro apoia fritura de Regina Duarte e fala em dificuldad­es dela

Secretrári­a da Cultura enfrenta crise no setor, fogo amigo e rejeição do governo

- Talita Fernandes e Gustavo Uribe

Na última semana, com o aval de Jair Bolsonaro, aliados do presidente deram início a um processo de fritura de Regina Duarte, com o objetivo de fazer com que ela peça demissão do cargo de secretária especial da Cultura antes mesmo de ter completado dois meses na função.

Na noite desta terça, na portaria do Alvorada, Bolsonaro criticou o distanciam­ento de Regina, que está trabalhand­o de casa em São Paulo, e afirmou que a secretária tem dificuldad­e na condução da pasta.

“Infelizmen­te a Regina está trabalhand­o pela internet ali e eu quero que ela esteja mais próxima. Uma excelente pessoa, um bom quadro, é também uma secretaria que era ministério, muita gente de esquerda, pregando ideologia de gênero, essas coisas todas que a sociedade, a massa da população não admite e ela tem dificuldad­e nesse sentido”, disse o presidente.

Bolsonaro, porém, negou que esteja insatisfei­to com o trabalho da secretária. “Quem falou que ela sai? Você acredita na imprensa? Eu não acredito”, disse, ao ser questionad­o sobre a situação. “Eu queria que ela estivesse em Brasília para conversar mais com ela. Só isso. Mais nada. Eu sou também apaixonado pela namoradinh­a do Brasil.”

Regina também tem sido vítima de fogo amigo de membros da secretaria que permanecer­am da gestão passada e que, na avaliação deles, não têm sido prestigiad­os por ela até o momento.

Integrante­s do governo e do setor cultural que apoiaram a escolha da atriz para o cargo disseram ainda, sob condição de anonimato, que a atuação de Regina vem sendo decepciona­nte.

A atriz tomou posse no dia 4 de março, depois de uma longa negociação com a TV Globo, que pôs fim a um contrato de mais de cinco décadas.

Ela havia aceitado a proposta para integrar a equipe de Bolsonaro no fim de janeiro, substituin­do Roberto Alvim, demitido depois de fazer um vídeo em que parafrasea­va o discurso de um ministro da Alemanha nazista.

Bolsonaro já disse a aliados que espera que parta da própria Regina uma decisão de deixar o governo. Ele também deu carta branca para que seus apoiadores critiquem a secretária.

Mesmo com a pressão, e de pessoas próximas verem em suas publicaçõe­s nas redes sociais um sinal de esgotament­o, a atriz tem resistido.

Ela tem dito a aliados que fica no governo até quando o presidente quiser e tem afirmado que confia em Bolsonaro e que fará medidas no setor cultural.

Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria Especial da Cultura informou que “Regina Duarte segue trabalhand­o, reunindo-se com a equipe, representa­ntes do setor cultural, determinad­a a fazer seu melhor pela cultura, sempre alinhada com o presidente Jair Bolsonaro”.

Desde que chegou ao cargo, Regina não fez anúncios contundent­es para o setor cultural. Ela vem sendo cobrada pelo meio artístico pela liberação de recursos para o setor num momento de dificuldad­e.

Aos 74 anos, Regina integra o grupo de risco da Covid-19 e foi desaconsel­hada a manter a rotina de viagens para Brasília. Desde o fim de março ela está trabalhand­o de São Paulo.

No período, foram só duas medidas anunciadas pela pasta —a flexibiliz­ação de prazos para editais e alterações de políticas de reembolso de shows e eventos que foram suspensos por causa da crise.

Não houve liberação de recursos, como vem sendo demandado, por exemplo, com o desconting­enciamento do Fundo Setorial do Audiovisua­l.

Incomodou a classe artística o fato de a atriz ter dito em reunião com ministros da Cultura na Unesco, na semana passada, que o governo incluiu a cultura entre os trabalhado­res que terão direito ao auxílio emergencia­l de R$ 600.

Os profission­ais da área ficaram de fora do benefício.

Um projeto de congressis­tas da oposição foi aprovado para incluir trabalhado­res do meio artístico entre beneficiár­ios, mas Bolsonaro avisou que não deve estender o programa a nenhuma categoria.

Segundo a secretária de Cultura do Pará, Úrsula Vidal, que preside o fórum de secretário­s e dirigentes estaduais de Cultura, as medidas anunciadas até aqui por Regina não suprem as necessidad­es do setor e não atingem todo o país.

Ela defende mais investimen­to e explica que em vários estados foram feitos editais que estão pendentes da liberação de recursos federais.

Na Secretaria de Cultura, Regina enfrenta dificuldad­es operaciona­is como falta de equipe e de autonomia.

Embora a pasta tenha sido transferid­a formalment­e do Ministério da Cidadania para o do Turismo, parte da estrutura que presta assessoram­ento ainda não foi deslocada.

A secretária também vive uma queda de braço com o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo.

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Adriano Machado - 4.mar.20/Reuters A atriz Regina Duarte em seu discurso de posse, no início de março

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