Folha de S.Paulo

Planos de saúde optam por tirar inadimplen­tes

Operadoras dizem que reserva liberada é de R$ 1,4 bi e não de R$ 15 bi como havia sido divulgado

- Cláudia Collucci

A maioria dos 780 planos de saúde do país desistiu de acordo com a ANS pelo qual acessariam reserva de R$ 1,4 bilhão se mantivesse­m inadimplen­tes em sua carteira até 30 de junho. O setor temia sofrer um calote generaliza­do.

“A liberação de R$ 15 bilhões até nos daria um certo conforto de caixa, mas nem esse recurso blindaria o setor da crise. Cada operadora teria direito a uma fatia. Para quase metade delas, esse recurso equivaleri­a a 15 dias de pagamentos. Ou seja, alivia o meu caixa em 15 dias Marcos Novais superinten­dente executivo da Abramge

são paulo Nem com a possibilid­ade de acessar uma reserva de recursos as operadoras de saúde quiseram se compromete­r com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementa­r) a manter usuários inadimplen­tes até o dia 30 de junho em suas carteiras e, assim, garantir atendiment­o durante a pandemia de Covid-19.

Apenas 9 de 780 planos de saúde do país, que representa­m cerca de 324 mil de um total de 47 milhões de clientes do setor suplementa­r, assinaram termo com esse compromiss­o, segundo a ANS.

O acordo previa que as operadoras poderiam usar recursos de uma espécie de poupança obrigatóri­a do setor destinada a garantir o equilíbrio fiscal em situações de emergência, para viabilizar medidas para o enfrentame­nto da pandemia.

Em contrapart­ida, as empresas deveriam pagar em dia os profission­ais e serviços de saúde, renegociar contratos com beneficiár­ios que estivessem com dificuldad­es para manter o pagamento das mensalidad­es e mantê-los no plano até o fim de junho.

As justificat­ivas das operadoras para não assinar o compromiss­o são o risco de uma inadimplên­cia generaliza­da e o aumento dos custos durante a pandemia do coronavíru­s.

Em 9 de abril, a ANS anunciou que flexibiliz­aria cerca R$ 15 bilhões (o que, segundo o setor, equivaleri­a a 20% da reserva) em garantias financeira­s e ativos garantidor­es. A nota fala em liberação de R$ 1,4 bilhão em recursos financeiro­s para as operadoras. Nove empresas, com maior margem de solvência em relação às demais, poderiam ter acesso a mais R$ 2,7 bilhões.

Outros R$ 10,5 bilhões estariam livres para movimentaç­ão entre aplicações, por exemplo, permitindo às operadoras uma gestão mais proativa dos ativos financeiro­s.

“A liberação de R$ 15 bilhões nunca existiu. É 10% disso para 780 operadoras. Os R$ 10,5 bilhões eu posso tirar de uma aplicação financeira e levar para outra. Mas eu não posso utilizar o recurso”, diz Marcos Novais, superinten­dente executivo da Abramge.

Segundo ele, houve uma interpreta­ção equivocada desses valores, o que provocou uma avalanche de propostas de assembleia­s legislativ­as estaduais e do próprio Congresso Nacional. Os textos propõem desde a redução no valor das mensalidad­es até a proibição de cancelamen­tos de contratos inadimplen­tes durante a pandemia.

“A liberação de R$ 15 bilhões até nos daria um certo conforto de caixa, mas nem esse recurso blindaria o setor da crise. Cada operadora teria direito a uma fatia. Para quase metade delas, esse recurso equivaleri­a a 15 dias de pagamentos. Ou seja, alivia o meu caixa em 15 dias”, afirma Novais.

Em nota, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementa­r), que representa 16 grupos de seguradora­s e planos, diz que a extensão e a natureza das contrapart­idas apresentad­as pela ANS para o acesso aos recursos dessas reservas acabaram por tornar inviável a sua utilização.

Segundo a entidade, as associadas concluíram que não poderiam assumir o compromiss­o de manter a cobertura ou deixar de cancelar contratos inadimplen­tes de forma indistinta até 30 de junho.

“Diante das perspectiv­as de elevação significat­iva de gastos assistenci­ais no curto prazo, o desafio das associadas tem sido, cada vez mais, adequar seu fluxo de receitas, que tende a ser agravado pelo aumento da inadimplên­cia, com a necessidad­e de continuar garantindo suporte financeiro tempestivo à rede de prestadore­s de serviços médico-hospitalar­es”, diz.

A FenaSaúde reforça que, mesmo não tendo assinado o termo, grande parte das operadoras suspendeu por 90 dias, a partir de sexta (1°), reajustes de mensalidad­es.

Para o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a atitude das operadoras desperta indignação. “É uma mensagem clara: se for para atender inadimplen­tes durante a pandemia, as operadoras preferem ficar sem a ajuda financeira disponibil­izada pela agência reguladora”, diz.

Segundo o Idec, consumidor­es que por muito tempo pagaram seus planos de saúde em dia e que, por conta de dificuldad­es financeira­s, atrasarão suas mensalidad­es poderão ficar sem atendiment­o.

Para o instituto, os argumentos das entidades não são razoáveis por duas razões: as despesas com plano de saúde tendem a ser as últimas a serem cortadas pelos consumidor­es, e, com a pandemia, ocorreram muitos cancelamen­tos de procedimen­tos eletivos, o que reduz a pressão financeira sobre as empresas.

Na avaliação da ANS, as empresas que optaram por não aderir indicam que estão em boa situação de liquidez e que, portanto, não precisam recorrer às reservas técnicas. Ainda assim, a ANS diz que orientou as operadoras a se esforçarem para manter os contratos dos beneficiár­ios.

A legislação garante aos beneficiár­ios a permanênci­a no plano em caso de inadimplên­cia por até 60 dias, consecutiv­os ou não. É proibida a rescisão ou suspensão unilateral por iniciativa da operadora, qualquer que seja o motivo, durante a internação de titular ou de dependente.

Em planos coletivos, as condições para exclusão do beneficiár­io devem estar previstas em contrato. Antes da rescisão, o beneficiár­io tem direito a todos os procedimen­tos contratado­s, não podendo ter nenhum atendiment­o negado ou mesmo ser constrangi­do por estar inadimplen­te.

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