Folha de S.Paulo

Em 2007, Lula mudou PF para saber de ações

Folha mostrou à época que petista queria informaçõe­s; suspeita de interferên­cia recai hoje sobre Jair Bolsonaro

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são paulo A controvers­a mudança na chefia da PF (Polícia Federal) feita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem semelhança­s com uma situação ocorrida no governo Lula (PT), que em 2007 trocou o comando da corporação e da Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia) com a intenção de ter mais informaçõe­s sobre operações.

Em setembro daquele ano, a Folha mostrou que o petista estava insatisfei­to e promoveu as alterações para ficar a par das grandes ações da PF. Ele também avaliava que a Abin era ineficient­e.

No caso de agora, a exoneração de Maurício Valeixo da direção-geral da PF foi motivada pela vontade de Bolsonaro de interferir em investigaç­ões do órgão, de acordo com o ex-ministro Sergio Moro (Justiça), que fez a acusação ao se demitir do cargo, na sexta-feira (24).

Moro afirmou que decidiu deixar o governo federal porque a medida do presidente colocaria em risco a autonomia da corporação.

O escolhido de Bolsonaro para substituir Valeixo, Alexandre Ramagem, estava no comando da Abin. A posse de Ramagem na nova função, marcada para a tarde desta quarta-feira (29), foi suspensa pela manhã por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

O magistrado fez a determinaç­ão com base em elementos que apontam o interesse do presidente da República em nomear para a cúpula da PF um diretor que poderia fornecer a ele acesso a informaçõe­s privilegia­das. Ramagem é amigo da família Bolsonaro.

Após a derrota, o presidente da República revogou a nomeação, mantendo o auxiliar na direção da Abin. Mas desautoriz­ou posicionam­ento da AGU (Advocacia-Geral da União) e disse na tarde desta quarta que vai recorrer.

A escolha de Ramagem havia sido criticada por parlamenta­res e motivado ações judiciais contra o governo —entre elas a acolhida por Moraes, que foi apresentad­a pelo PDT sob a justificat­iva de abuso de poder por desvio de finalidade.

Bolsonaro vem negando a intenção de interferir na corporação ou de estimular apurações com fins políticos. Ele disse nesta quarta que a PF não persegue ninguém, “a não ser bandidos”.

No caso de Lula, conforme o relato publicado pela Folha à época, a troca de Paulo Lacerda por Luiz Fernando Corrêa no comando da PF foi feita por causa de insatisfaç­ões do presidente. Ele reclamava, em conversas reservadas, de saber de ações da corporação pela imprensa.

Na Operação Xeque-Mate, realizada naquele ano pela PF para combater a máfia dos caça-níqueis, a voz do presidente da República chegou a ser gravada. Quando soube disso, Lula ficou contrariad­o.

O órgão não deu destaque ao teor do diálogo no inquérido to da investigaç­ão sobre jogos ilegais, por avaliar que a conversa não tinha importânci­a. Um irmão e um compadre de Lula foram indiciados no caso.

Assessores da Presidênci­a ouvidos pela reportagem à época avaliaram que a PF estava fora de controle e que as autoridade­s do governo, muitas vezes, tomavam conhecimen­to de assuntos sensíveis somente pelos jornais.

Convidado para a chefia da corporação, Corrêa era tido como o nome preferido de Lula para o posto. Delegado da PF, ele mantinha ligação estreita com o movimento sindical, o que lhe garantiu o apoio de lideranças petistas.

Na gestão de Corrêa, que durou até janeiro de 2011, já no governo Dilma Rousseff (PT), ocorreram as operações Castelo de Areia, Caixa de Pandora e Satiagraha.

Em 2007, pouco antes de ser dispensado do controle da PF, Paulo Lacerda vinha sofrendesg­aste. Ele não mantinha boa interlocuç­ão com o então ministro Tarso Genro (Justiça), com quem conversava apenas semanalmen­te.

Tarso ainda se mostrava descontent­e com a superexpos­ição da PF em megaoperaç­ões policiais desencadea­das naquele período e chegou a criticar publicamen­te o vazamento de informaçõe­s.

Lacerda, que dirigiu a PF durante todo o primeiro mandato de Lula (2003-2006), acabou deslocado justamente para o comando da Abin, órgão que também era um foco de aborrecime­nto do presidente da República na ocasião.

A gota d’água para a mudança foram as vaias recebidas por Lula em julho de 2007, na abertura dos Jogos Pan-Americanos, no Maracanã. Um informe sobre o episódio não chegou ao conhecimen­to do Planalto, o que foi visto como erro do então presidente da agência, Márcio Buzzaneli.

A informação colhida pela Abin dava conta que a origem das vaias se concentrou em grupos que foram ao evento como convidados da Prefeitura do Rio, então ocupada pelo oposicioni­sta Cesar Maia (DEM). Maia, hoje vereador, sempre negou a versão.

No discurso de despedida, Buzzaneli disse aos servidores do órgão que soube “pelo jornal” que seria substituíd­o no controle da Abin. Lacerda ficou no cargo até dezembro de 2008 e foi exonerado após acumular desgastes com o governo.

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Orlando Brito - 20.set.07/Obritonews O então presidente Lula discursa em Brasília, em 2007

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