Filosofia obscura une gurus de presidentes
Segundo livro sobre a direita radical, política externa brasileira seria reflexo do tradicionalismo e sua ojeriza à China
são paulo O que têm em comum o guru bolsonarista Olavo de Carvalho, o estrategista americano Steve Bannon e Alexandr Dugin, conselheiro do líder russo Vladimir Putin?
Todos eles seguem uma filosofia obscura chamada tradicionalismo, como conta Ben Teitelbaum, em seu livro recém-lançado “War for Eternity - Inside Bannon’s Far-Right Circle of Global Power Brokers” (guerra pela eternidade - dentro do círculo dos poderosos de direita radical de Bannon, em tradução livre).
O tradicionalismo era, até pouco tempo, uma franja pouco conhecida do conservadorismo. “É a primeira vez que tradicionalistas chegam tão perto do poder, apesar de não terem cargos formais, têm grande influência”, explica o Teitelbaum à Folha.
“Olavo é um dos principais tradicionalistas globais”, diz. Segundo ele, o tradicionalismo está na base da política de demonização da China e aproximação com os EUA. Os tradicionalistas acreditam que a religiosidade deveria estar no centro da sociedade, em vez da democracia secular, da liberdade de expressão, da igualdade econômica.
Essa corrente de pensamento também se opõe à homogeneidade das sociedades de massa ou à busca por igualdade; eles são a favor de hierarquias. Ressaltam a necessidade de se voltar ao tempo anterior à modernidade, buscar as religiões não corrompidas.
A influência dos tradicionalistas tem grande reflexo sobre a política externa, diz Teitelbaum, professor de relações internacionais da Universidade do Colorado e estudioso da extrema direita. Ele passou dois anos entrevistando expoentes desse pensamento, entre eles Olavo, Bannon e Dugin, e acompanhou encontros entre o guru brasileiro e o estrategista americano.
Segundo Bannon e Olavo, a ala ideológica do governo brasileiro estava lutando para “livrar o Brasil de sua geopolítica mercantilista que amarra o país à China, em vez de priorizar as raízes espirituais que tornam o Brasil parte do Ocidente judaico-cristão”.
“A China representa tudo o que os tradicionalistas rejeitam —na visão deles, é uma sociedade massificada, materialista, científica, que desumaniza as pessoas e está focada em aspectos econômicos”, explica Teitelbaum.
Nesse tema, tradicionalistas como Olavo e Bannon convergem, ao encarar a China como a grande inimiga, enquanto Dugin acha que os EUA é que representam a modernidade e, portanto, a maior ameaça.
O autor descreve reunião secreta que Bannon teve com Dugin em 2018, na Itália, em que tentou convencer o russo de que EUA e Rússia são aliados naturais, os dois compartilhando da herança judaicocristã. E Olavo entrou em confronto com Dugin em discussão pela internet, defendendo que os EUA representam, sim, uma volta às raízes.
Dois dos principais pensadores tradicionalistas são o francês René Guénon (1886– 1951) e o italiano Julius Evola (1898-1974). Para Guénon, o Renascimento foi um início da era das trevas, a ciência e a racionalidade são ilusões, e é preciso voltar às verdades absolutas das religiões.
Os tradicionalistas não especificavam qual religião —Guénon converteu-se ao islamismo. Seguidores dessa corrente de pensamento valorizam o islamismo e o hinduísmo como religiões não corrompidas pela modernidade. E muitos, como Olavo, são católicos.
Evola colaborou com o ditador fascista italiano Benito Mussolini e também tentou influenciar os nazistas. Ele incorporava ao tradicionalismo a questão da raça e afirmava que os arianos eram superiores a semitas, africanos e todos os não-arianos, assim como a masculinidade estava acima da feminilidade, e o norte, acima do sul global.
Segundo Teitelbaum, “o movimento tradicionalista acabou gerando uma metástase, o fascismo italiano”. “Alguns tradicionalistas são alinhados ao fascismo, outros rejeitam essa parte das ideias de René Guénon e Evola, mas de várias maneiras a extrema direita se associou a Evola”, diz.
O Jobbik, partido de extrema direita da Hungria, também tem grande influência do tradicionalismo, segundo Teitelbaum. “Ernesto Araújo [chanceler brasileiro] é mais tradicionalista até do que Olavo” e “discute as obras de Guénon e Evola fluentemente”, diz o professor no livro.
No mais recente post de seu blog, Ernesto bebe em das ideias do tradicionalismo, diz Teitelbaum, ao criticar o projeto globalista, a Organização Mundial da Saúde, a ideologia de gênero e o imigracionismo.
“Para os tradicionalistas, a era das trevas em que vivemos é o globalismo, em que a hierarquia é destruída e não há fronteiras nem limites —e a tradução máxima disso são as instituições que desafiam fronteiras, como a ONU.”
Segundo Teitelbaum, Olavo não se diz um tradicionalista, pois rejeita rótulos. “Mas, durante sua vida, ele mergulhou fundo na filosofia tradicionalista, leu todas as obras de René Guénon”, diz o estudioso. E, nos anos 80, Olavo fez parte de uma comunidade sufista nos EUA, cujo líder era o suíço Frithjof Schuon, herdeiro intelectual de Guénon.
“Seria bom que o Brasil se aliasse aos EUA, mas isso não vai acontecer, porque todos os militares são a favor da China”, disse Olavo, segundo o autor. “E a maioria dos políticos também. Então o Brasil é um aliado da China, um instrumento da China.”
Olavo estava otimista, no entanto, com a Europa. Segundo o livro, o guru bolsonarista disse ao autor que, na Hungria, na Polônia e na Romênia, as pessoas estavam “acordando para a base espiritual da civilização. Agora eles sabem que a sociedade não pode ser baseada em dinheiro, ciência e tecnologia. É absurdo. Se você não tiver contato com Deus, você está perdido”.